GERDT HATSCHBACH: 100 anos de nascimento
Quem foi Gerdt Guenther Hatschbach?
2023 é um ano especial para a Ciência Botânica no Paraná, para Curitiba e para a Natureza!!! Em 22 de agosto comemoram-se os 100 anos do nascimento de Gerdt Guenther Hatschbach, um dos grandes botânicos do Brasil, um dos maiores coletores de plantas do mundo e fundador do Museu Botânico Municipal, em Curitiba.
Sabe essas palavrinhas mágicas modernas, do mundo do empreendedorismo atual? Foco, inovação, autonomia, persistência, comprometimento... Pois é, tudo isso e mais um pouco o Gerdt já tinha de sobra desde que nasceu, há um século. Era um apaixonado pela natureza e dedicou sua vida inteira à ciência e à botânica.
Desde criança, seu espírito empreendedor só aumentou com a família de origem alemã estimulando escaladas, trilhas, coletas de insetos e orquídeas, enquanto crescia em meio a uma natureza ainda abundante de plantas e animais, ao redor da Curitiba do começo do século XX.
Aos 11 anos, incentivado pelo pai (Albino) e pelo tio (Alfonso), Gerdt começou a colecionar insetos e já não brincava em serviço: organizou vários acervos, sendo os mais importantes os de Coleópteros, com mais de 5000 espécies de besouros, muitas então desconhecidas. Esse verdadeiro tesouro foi doado ao então Instituto de História Natural de Curitiba, hoje Museu de História Natural, que funciona no bairro Capão da Imbuia, na capital paranaense.
A qualidade alcançada por Gerdt nessas coleções foi favorecida pela orientação sistemática do Padre Jesus Santiago Moure, professor da UFPR e um dos mais proeminentes especialistas brasileiros em Hymenoptera (a ordem das formigas, vespas e abelhas).
Gerdt foi, então, nomeado auxiliar voluntário (sem remuneração), da Seção de Zoologia do Museu Paranaense, aos 18 anos de idade. Era o ano de 1941 e Gerdt começa a perceber que, para entender melhor por onde andavam seus insetos, ele precisaria conhecer as plantas, e foi então que começou seu herbário particular, buscando orientação de grandes mestres no Instituto de Botânica de São Paulo e no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Completou com 22 anos o Curso Técnico de Química Industrial na Faculdade de Agronomia, Química e Veterinária do Paraná, que em 1945 ainda não era federalizada.
Em 1951, depois de 10 anos como voluntário no Museu Paranaense, Gerdt começa a trabalhar como químico em várias indústrias curitibanas, que passam a subsidiar suas viagens e a ampliação de seu herbário. Sem imaginar, Gerdt Hatschbach iniciava, nos anos 50, a coleção que viria a se tornar o maior e mais precioso registro da flora do Paraná.
No final de 1964, o Herbário Hatschbach possuía milhares de plantas, que ele ainda mantinha na garagem da casa de seus pais. Mas no ano seguinte, Gerdt é convidado pelo Prefeito Ivo Arzua para organizar o Museu Botânico de Curitiba, numa pequena casa no Passeio Público. O Museu Botânico Municipal foi oficialmente fundado, então, em 28 de julho de 1965.
Dez anos depois, em 1975, com a inauguração de uma sede maior e mais apropriada para as finalidades do museu no Horto Municipal do Guabirotuba, Gerdt oficializa a doação de sua coleção particular do Herbário Hatschbach, que já contava com mais de 20 mil plantas e equipamentos, como lupas e microscópios, já na ocasião, sendo considerada maior do que os acervos disponíveis em instituições universitárias regionais.
Em 21 de setembro do ano de 1992, Dia da Árvore, o então Prefeito Jaime Lerner entrega ao diretor do museu, Gerdt Hatschbach, e à população curitibana, uma nova sede do Museu Botânico Municipal, com praticamente 2 mil m2 (contando com salão de exposições e auditório), localizados no Jardim Botânico de Curitiba. Para Gerdt, segundo seu amigo e professor de Botânica na UFPR, Armando Cervi, foi a realização de um sonho de vida.
A paixão pela botânica segundo GH
Gerdt viveu em uma época em que boa parte do estado ainda era coberta por florestas e campos naturais, e teve o privilégio de ser o primeiro botânico a realizar pesquisas em regiões até então desconhecidas, muitas completamente alteradas atualmente, ou até mesmo extintas do cenário paranaense.
Segundo Straube e Labiak (2014), são seus, por exemplo, os únicos registros das espécies vegetais que existiam em Sete Quedas, na cidade de Guaíra, hoje uma região totalmente inundada pelo lago da represa hidrelétrica de Itaipu. Muitas dessas espécies nunca mais foram encontradas na natureza e suas coletas são um importante, e triste, testemunho de sua existência.
A equipe formada por Gerdt dentro do MBM construiu com ele, ao longo do tempo, uma verdadeira biblioteca de informações científicas, importantíssimas para estudos e trabalhos com a biodiversidade brasileira e até mundial.
Com quase 430 mil plantas herborizadas, contando com espécies do mundo todo, algumas delas já extintas, o Museu Botânico Municipal Gerdt Hatschbach (ou simplesmente MBM), é hoje o quarto maior museu botânico do Brasil.
Com quase 430 mil plantas herborizadas, contando com espécies do mundo todo, algumas delas já extintas, o Museu Botânico Municipal Gerdt Hatschbach (ou simplesmente MBM), é hoje o quarto maior museu botânico do Brasil.Com quase 430 mil plantas herborizadas, contando com espécies do mundo todo, algumas delas já extintas, o Museu Botânico Municipal Gerdt Hatschbach (ou simplesmente MBM), é hoje o quarto maior museu botânico do Brasil.
Gerdt tornou-se o principal botânico a realizar pesquisas sobre a flora paranaense, mas realizou inúmeras expedições científicas pelos principais biomas brasileiros, sempre com o intuito de buscar espécies novas e desconhecidas, ao que ele chamava de “papa-fina” (são os chamados tecnicamente de Typus). Essas viagens e suas coletas possibilitaram uma fotografia realista da flora do país.
Entre as plantas depositadas hoje no Museu Botânico, a maior parte (quase 50%) é do Estado do Paraná! Em número de amostras, em segundo lugar está o Estado de Minas Gerais e, em terceiro, a Bahia: eram os dois locais preferidos de Gerdt para coleta, fora do seu próprio estado. São significativamente importantes também seus registros das floras dos Estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Santa Catarina (Brotto, 2023).
A contribuição de Gerdt Hatschbach para a Ciência Botânica foi definitivamente reconhecida pela Universidade Federal do Paraná, que outorgou-lhe o grau de “Doutor Honoris Causa”. Era o ano de 1988.
Com seu olhar de botânico treinado e todas as características mencionadas, como foco, persistência e muita, muita disciplina, Gerdt coletou e numerou cerca de 82 mil plantas ao longo de suas viagens. Esse número o coloca como um dos maiores coletores de plantas do mundo.
Atualmente, quase 200 espécies de plantas descobertas ou descritas por Gerdt, levam seu nome como homenagem dos pesquisadores e botânicos ao redor de todo o mundo, especialmente entre os herbários europeus e estadunidenses. Encontram-se gêneros como Hatschbachia ou Hatschbachiella e espécies como a Myrcia hatschbachi.
O compromisso de Gerdt com o desenvolvimento científico botânico sempre foi tão amplo, que uma reserva de 10 alqueires de Floresta Pluvial Primária, em Antonina, no litoral do Paraná (a 80km de Curitiba), de sua propriedade, foi transformada em uma espécie de anexo do Museu Botânico Municipal de Curitiba e local obrigatório dos estudos de campo do Departamento de Botânica da UFPR.
Era pura Mata Atlântica e Gerdt batizou seu sítio de Reserva Biológica de Sapitanduva. Segundo o Professor Armando Cervi (1993), parte da área era cedida para o cultivo de plantas ornamentais para utilização pública, produção de mudas de palmito para distribuição local, transplantio de plantas vivas trazidas das coletas em suas viagens, para observação científica e pesquisas
No entanto, após vários incidentes com invasões criminosas para roubo de palmito e orquídeas, Gerdt foi se desiludindo e acabou por vendê-la. Toda a comunidade científica da área lamentou, mas reconhece até hoje a impossibilidade de manutenção particular de uma área tão vulnerável, sem apoio de nenhuma instituição.
Mesmo após sua morte, em 2013, os frutos de seu trabalho ainda rendem grandes descobertas e avanços na Botânica. É o caso de muitos desses exemplares de suas coletas: entre os anos de 2020 e 2021, nove espécies vegetais foram reconhecidas e descritas, cerca de 50 anos depois de terem sido coletadas pela primeira vez por Gerdt. Em uma de suas últimas expedições, aos 89 anos, Gerdt coletou ainda um exemplar que serviria para a descrição de uma nova espécie.
A equipe Turistória nesse ano de 2023 entrevistou muita gente que, direta ou indiretamente, teve o privilégio de trabalhar com Gerdt Hatschbach, em suas viagens de campo ou no herbário. O resultado dessas entrevistas e de muita pesquisa será publicado em forma de um livro, mas uma das mais belas histórias sobre Gerdt foi contada pelo Professor Armando Cervi (infelizmente já falecido) ao Professor Rodrigo Kersten, da PUCPR.
Rodrigo nos contou que, logo após completar 80 anos, Gerdt subiu com o Armando o Morro do Sete, na cidade de Morretes, litoral do Paraná. No início da descida do morro, com quase 1400m de altitude, Gerdt ficou para trás num ponto da trilha em que uma janela se abria na vegetação, dali se tem uma visão única da Serra do Mar. O sol já estava se pondo e, quando o Armando percebeu o distanciamento, voltou correndo e viu Gerdt parado, contemplando aquela vista. Perguntando o que havia acontecido, Gerdt lhe respondeu que sabia que aquela era a última vez que ele veria aquela paisagem.
Ele tinha consciência que aquela seria sua última subida, estava se despedindo.
Texto e pesquisa de Cyntia Wachowicz
Fonte de pesquisa:
https://www.curitiba.pr.gov.br/conteudo/museu-botanico/340
Brotto, Marcelo L. Coleção do Museu Botânico Municipal contribui para a descoberta de novas espécies. Disponível em: https://www.taxonline.bio.br/gerdt-hatschbach Acesso em 22/04/2021.
Brotto, Marcelo L. Entrevista cedida à esquipe Turistória em 26/07/2023, no Museu Botânico Municipal Gerdt Hatschbach, em Curitiba, PR.
Costa, Elaine. Museu Botânico Municipal Gerdt Hatschbach. Disponível em: https://www.turistoria.com.br/museubotanico Acesso em 07/07/2023
Cervi, Armando. Gerdt Guenther Hatschbach: breve nota biográfica e suas contribuições para a Ciência Botânica. 1993. MAPP 5.2. Serviço de Documentação e Acervo. UFPR. 17f.
Straube, Fernando C.; Labiak, Paulo H. Esboço biográfico dos principais coletores da flora do Paraná. In: Kaehler, M. et al. 2014. Curitiba, Ed. da UFPR. Departamento de Botânica. 198 f.