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A história da Praça Zacarias

Criada em 1871, a Praça Zacarias é a praça, enquanto tal, mais antiga da cidade de Curitiba. O espaço físico da Praça Tiradentes, por exemplo, é mais antigo que o da Praça Zacarias, mas não era concebida como praça, mas sim como “Largo da Matriz”. Só veio a ganhar o nome de praça em 1880 (Praça Dom Pedro II, após a visita deste a Curitiba).


Já a Praça Zacarias é assim chamada desde 1871. O espaço que hoje abriga a praça, no entanto, é mais antigo que isso. Ao longo de seus mais de 150 anos, tanto a paisagem da praça quanto de seus arredores mudaram significativamente. A historiadora Aparecida Vaz da Silva Bahls, no Boletim Casa Romário Martins intitulado “Praças de Curitiba: espaços verdes na paisagem urbana”, p. 141, traça um panorama de como era, em seu início, o Largo do Ivo:


"Em meados do século XIX, era um local de acesso ao centro do povoado, cortado pelo rio Ivo, para quem vinha dos Campos Gerais. Grossas muralhas de pedras, com imensos gradis de madeira separavam três pontes por onde se atravessava o largo. A maior, a do centro, ligava-se à atual Dr. Muricy e servia aos veículos de tração animal, e pelas pontes laterais, mais estreitas, circulavam os transeuntes. Junto a uma das pontes pequenas, uma rampa de pedras toscas, dava acesso ao leito do rio. Por ali, os animais desciam para beber água e serem lavados, além de carroceiros que enchiam seus barris com o líquido, para depois vendê-lo em domicílios. Mas o Ivo também se rebelava encharcando tudo a sua volta."


A data de instalação do famoso chafariz, que até hoje permanece na praça, é 1871. A ideia foi do engenheiro Antônio Rebouças Filho, que ao ver a fonte de água da Praça da Misericórdia (atual Rui Barbosa) propôs ao Presidente da Província, Venâncio Lisboa, o seu encanamento até a local onde hoje é a Praça Zacarias - ponto de maior concentração urbana do que a antiga Praça da Misericórdia no período. Antônio Rebouças Filho, lembremos, era irmão do conhecido abolicionista André Rebouças, e ambos eram filhos de uma escrava alforriada.


O projeto envolveu a aquisição de tubos de cobre vindos do Rio de Janeiro, torneiras vindas da Europa e um poste feito por um artífice local, e foi conduzido pelo engenheiro Mauricio Schwarz. O chafariz foi construído por escravizados e inaugurado em 8 de setembro de 1871. Através de Atas de Sessão da Câmara de Curitiba, podemos saber o nome de alguns desses escravizados: o pedreiro Francisco, João e Benedicto José Rodrigues. Sua criação possibilitou uma ampliação do acesso à água para os moradores de Curitiba. Classes menos favorecidas, como pobres e escravizados, tinham agora um ponto de coleta de água onde podiam se abastecer.

Antes disso, lembremos, o abastecimento de água era feito por “pipeiros” ou “aguadeiros” - pessoas que pegavam a água nas bicas e a entregavam nas casas de quem pagava pelo serviço. 


O chafariz, assim, foi extremamente importante no desenvolvimento da cidade de Curitiba. E não apenas nas situações cotidianas, mas também em eventos culturais e tradicionais da cidade como o carnaval, é o que relata Aparecida Vaz da Silva Bahls em sua dissertação de mestrado O VERDE NA METRÓPOLE: A EVOLUÇÃO DAS PRAÇAS E JARDINS EM CURITIBA (1885-1916), p. 206: “o chafariz da Praça Zacarias era ‘ponto de abastecimento de bisnagas e revólveres de borracha com que os foliões esguichavam água nas vítimas, maldosamente enfarinhadas de frigo!’".


Além disso, o chafariz tornou a Praça um ponto de sociabilidade, onde se desenrolavam conversas, flertes, e diversas formas de interação social.


Entre as praças mais antigas e tradicionais de Curitiba, era comum que cada uma delas tivesse uma identidade específica. A Praça Tiradentes congregava festas cívicas e religiosas, além de servir como local de protestos; a Rui Barbosa era a praça militar; a Osório e a Santos Andrade recebiam muitos circos; a Generoso Marques era o ponto comercial.


Todas as características citadas nos parágrafos anteriores fizeram com que a Zacarias, por sua vez, fosse ponto de encontro dos que iam abastecer-se da água de seu chafariz. As denominações que ela levou ao longo do tempo também exemplificam isso: Largo da Entrada, Largo da Ponte, Largo da Fonte, Largo do Ivo, Largo do Mercado.


Este último, Largo do Mercado, se deve ao fato de ter sido ali a Primeira Sede do Mercado Público de Curitiba - que ao longo do tempo e de suas diversas sedes é hoje o Mercado Municipal. Já na década de 1850 a Câmara Municipal de Curitiba discutia a criação de um Mercado na cidade. Em 1864, ele foi inaugurado junto à Praça Zacarias, em um imóvel de propriedade do Estado, onde funcionou até 1869.


O mesmo imóvel serviu, em 1876, como primeira sede de outra instituição tradicional de Curitiba: o Museu Paranaense, que ali funcionou até 1900. Não se sabe o ano exato em que o Largo/Praça local adotou “Zacarias” no nome, mas a fonte mais antiga que achamos nesse sentido mostra que o termo “Largo Zacarias” era utilizado desde, pelo menos, 1875. Trata-se de uma edição do jornal Dezenove de Dezembro, de 17 de julho de 1875 de março, e a referência ao local aparece em um anúncio de um “gabinete dentário”, que ficava localizado no “Largo do Conselheiro Zacarias”.



Em 19 de dezembro de 1915, em celebração ao aniversário da emancipação política do Paraná, foi inaugurada, na praça, pelo prefeito Cândido de Abreu uma estátua do primeiro presidente da província, Zacarias de Vasconcelos. Também nesse ano a praça foi reformada, ganhando jardins e sendo adaptada para servir de mercado-feira. Sob guarda-sóis, diversas barracas com produtos hortifrutigranjeiros passaram a integrar a praça. O rio Ivo, que antes passava por debaixo da ponte, foi canalizado e as antigas pontes deixaram de existir.

Adentrando no século XX, foram muitos os desenvolvimentos tecnológicos no mundo, e Curitiba e a Praça Zacarias não ficaram alheios a eles. Em 1939, foi inaugurado nos arredores da praça o Cine Luz, considerado um dos melhores e mais luxuosos cinemas do país à época. Pelo fato do Rio Ivo passar pela região, o cinema sofreu muitas vezes com inundações em seu redor.



Um dos elementos da paisagem atual que pode chamar a atenção de quem passa pela Praça é a escultura de uma águia com duas cabeças. Ela ficava no topo da Loja Maçônica Fraternidade Paranaense, e simboliza, na maçonaria, o grau máximo de conhecimento. O prédio original foi demolido na década de 1960, mas o águia permaneceu no mesmo local, no hoje Edifício Acácia.

Em 1939, o chafariz da praça foi transferido da praça para o Museu Paranaense. Relatos apontam que um dos possíveis motivos para a retirada foi a parte de cima do chafariz que, para a igreja, representava um símbolo fálico.


Em 1968, por determinação do ex-prefeito Omar Sabbag, o chafariz voltou a praça, mas sem a sua parte de cima.

Algumas das outras modificações pelas quais a praça passou foram: a instalação de petit-pavet em 1946, e a construção de um repuxo na década de 1960, sobre o qual o hoje fica o chafariz.  A Praça Zacarias era também ponto de parada dos bondes e, posteriormente, dos carros, uma vez que na praça havia uma bomba de combustível.


Embora a Praça tenha sido palco de diversas questões que envolvem a época da escravidão e a história da população negra de Curitiba, não há nenhum monumento em referência a isso, muito menos o nome da Praça, que, como muitas outras, homenageia um nome tradicional da política paranaense.


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