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Casa João Turin: a arte como negócio
Embora comprida e moderna, a rua Mateus Leme, no Centro Histórico de Curitiba, tem o início de seu pavimento ainda resguardado, mostrando um passado longínquo, de quando as ruas eram estreitas e construídas com paralelepípedos. Ali se encontram espaços históricos de Curitiba, como o palacete de número 38, recentemente transformado em Casa João Turin. Mesmo sendo fundamental para a memória curitibana, principalmente para a cultura, esse espaço vem sofrendo inúmeras negligências do município. 

Por isso, o Turistória contará um pouco da trajetória desse local, de modo a explicar como ele chegou a esse estado de exclusão. 
João Turin, quem foi ele?
João Zanin Turin nasceu em 21 de setembro de 1878, em Morretes, na região de Porto de Cima (antiga Nova Itália). Era filho de imigrantes italianos recém chegados ao Paraná, Giovanni Battista Turin e Maria Angela Zanin Turin, naturais da cidade de Feltre. Aos 9 anos, João Turin e sua família vieram a Curitiba, onde se estabeleceram numa chácara. Ali, ele pôde ter contato com o que futuramente iria ser sua paixão: fazia esculturas de barro moldadas em seu próprio corpo, cuja arte o motivo a criar braços, mãos e pernas em argila. 
Aos 12 anos, porém, Turin começou a trabalhar para ajudar a sustentar a família, uma vez que sua mãe havia falecido e ele tinha de cuidar, junto com seu pai, de suas duas irmãs.
Por conta disso, ele foi ferreiro, marceneiro e, depois, torneiro. Posteriormente, enfim, ele iniciou sua carreira estudantil, quando, na década de 1890, ingressou na recém inaugurada Escola de Belas-Artes e Indústrias do Paraná. Além disso, foi nessa mesma época, pelo menos até 1905, que o estudante esteve bastante próximo do movimento anarquista da capital. As agitações políticas, entretanto, tiveram o seu fim. Em 1905, o morretense e anarquista João Turin recebeu uma bolsa de estudos para a Real Academia de Belas Artes de Bruxelas, concedida pelo Governo do Paraná. Lá, ele encontrou o amigo Zaco Paraná, junto do qual foi orientado pelo famoso escultor belga Pierre-Charles Van der Stappen. 

Depois de anos na Europa e de convivência com um mundo em guerra (que o fez conhecer Lenin e Trotsky casualmente em um dos cafés de Paris), João Turin retornou a Curitiba em fins de 1922. Na capital paranaense, o já formado e reconhecido artista plástico passou a integrar o Movimento Paranista, apesar de ele mesmo não se autodenominar paranista. De todo modo, o escultor “queria exaltar as belezas da região e criar uma arte decorativa própria”, e por isso se identificou com o Movimento. [1] 
[1] Trecho da monografia “A arte de João Turin e a recepção dos clássicos no Movimento Paranista (1920 – 1930)”, da historiadora paranaense Bárbara Fonseca. 
Os anos de sucesso do artista
João Turin voltou a morar na casa que o seu pai construiu, na esquina da Avenida Sete de Setembro com a Coronel Dulcídio. Ali ele também montou o seu ateliê, onde idealizou as mais variadas artes: monumentos, estátuas, bustos, relevos e inclusive pinturas, cerâmicas e ilustrações.       

Entre suas obras mais famosas, estão os monumentos dedicados a Gomes Carneiro (1927, Lapa), a Rui Barbosa (1936, Praça Santos Andrade), a André de Barros (1923, jardim da Santa Casa de Curitiba), a Tiradentes (Praça Tiradentes) e à República (1938, Praça Tiradentes), além das esculturas “Tigre esmagando a cobra” (Av. Manoel Ribas) e “Luar do Sertão” (Centro Cívico) — todas em Curitiba, menos o de Gomes Carneiro. 
Além disso, Turin também foi um dos criadores do “estilo paranista de ornamentação arquitetônica”, caracterizado pela estilização de casas, cerâmicas, objetos e mobílias com o símbolo do pinheiro, do pinhão e de outros elementos da fauna e da flora paranaense. 

O artista, então, tornou-se reconhecido nacionalmente durante as décadas de 1930 e 1940. Logo, ficou responsável por homenagear os mais famosos políticos do Paraná e do Brasil, momento no qual se consagrou como um dos principais difusores do Movimento Paranista

Aos 70 anos, em 9 de julho de 1949, o morretense João Turin faleceu em Curitiba, vítima de infarto. Como a morte, porém, não é o ponto final da vida de um artista, a seguir você confere o legado e a memória de Turin, após 1949.
Turin esculpindo o busto do Barão do Serro Azul, 1948.(Arquivo João Turin. Disponível em LEITE, 2014).
Primórdios da Casa João Turin
Em 1953 foi criada uma lei que institui a Casa João Turin, cujo objetivo era transformar o antigo ateliê do artista em museu. O problema, porém, é que a propriedade em que o artista morou foi vendida assim que ele morreu. Os novos proprietários, além de demolirem a casa, transformaram o ateliê em cancha de esportes. Desse modo, até 1989, todo o acervo dele ficou jogado às traças, em um armazém de seu sobrinho, Jiomar Turin.

Habemus Casa João Turin

Esse primeiro momento de esquecimento do artista e de desvalorização da sua arte, entretanto, teve uma reviravolta. Em 1987, a Secretaria de Cultura do Paraná retomou o projeto da Casa João Turin e, em 1989, finalmente, ela foi criada através da lei nº1538. Já que era impossível reavivar a verdadeira casa do artista, o estado a “transferiu” para outra residência, o palacete nº38 da Mateus Leme. 
O problema da escolha desse espaço é que ele não teve relação com a vida de Turin. É bem verdade que, quando chegou a Curitiba, o artista também teve um ateliê na região, mas no Alto São Francisco (próximo ao atual Museu Paranaense, distante cerca de um quilômetro da Casa). Seja como for, finalmente as autoridades decidiram pela criação do museu.     
A Casa João Turin no Largo da Ordem, no final das contas, combinou com o artista homenageado. Construída no início do século XX, não se sabe exatamente por quem (mas certamente por alguém com grana), a residência segue o padrão arquitetônico neoclássico, semelhante ao do prédio histórico da UFPR. Há, claro, diferenças entre ela e os demais edifícios antigos do Largo, majoritariamente do século XVIII e XIX, porém a sua estrutura se concilia com a pegada cultural da região.

Não se sabe ao certo a trajetória do palacete antes de 1989. As poucas informações que nos chegam apontam que o local era posse do Estado, sendo depois desocupado para dar espaço ao Museu, inaugurado em 10 de janeiro de 1989. Então, já integrada à Secretaria da Cultura, a Casa recebeu grande parte do acervo de João Turin, com cerca de 260 esculturas em gesso e bronze, 170 pinturas, documentos pessoais e relativos ao artista, fotos e manuscritos. Dirigido pela sobrinha-neta do escultor, Elizabeth Turin, o local expunha o material ao público, para manutenção da memória e pesquisas científicas, junto do qual eram realizadas exposições temporárias de artistas contemporâneos. Além disso, o espaço público também desenvolvia projetos de interação com escolas, como peças de teatro com bonecos que explicavam a existência da casa e a importância de João Turin para o Paraná.
Amargo final

Depois de 23 anos de preservação da memória de João Turin, todavia, a Casa teve um fim amargo. Em 2011, o sobrinho do artista, Jiomar Turin, que detinha os direitos sobre o acervo, vendeu-o ao empresário Samuel Ferrari Lago. Da venda, restaram apenas documentos pessoais (cerca de 2,5 mil itens entre cartas, esboços e livros), fotografias e 13 obras tridimensionais; tudo isso foi deslocado para o Museu Oscar Niemeyer, onde se pretende realizar exposições sobre o escultor.
Com essa transformação da arte de Turin em negócio, a Casa caiu no esquecimento. Embora não seja tombado, o palacete (ainda sob posse da Secretaria de Cultura) faz parte do programa de Unidades de Interesse de Preservação (UIPs), do município de Curitiba. Por conta disso, a prefeitura teria como incumbência manter o local em boas condições, algo que, evidentemente, não acontece. A casa, atualmente, carece de manutenção, e ainda não se tornou palco de um novo projeto cultural, estando fechada desde 2012. Assim, quem passa na frente dela, hoje, talvez nem se dê conta de que um dia, ali, houve história.  
O legado de João Turin
Há esculturas de João Turin espalhadas pelo mundo, sendo uma das mais famosas a “Pietá”, esculpida na França em 1917...
A obra é muito valorizada pelos franceses, não apenas pela sua grandeza, mas por ter resistido à destruição da região da Normandia durante a II Guerra Mundial, na também destruída Igreja de Saint Martin, onde se encontra até hoje. Os traços do rosto de Maria remetem ao da bailarina Isadora Duncan, que frequentava os mesmos ambientes culturais da época. Isadora perdera seus dois filhos, afogados no Rio Sena, quatro anos antes da entrega da obra de Turin.
Em Curitiba, várias das centenas de esculturas de JT podem ser admiradas em locais públicos e, ainda hoje, são utilizadas pela prefeitura e pelo estado como objetos afirmadores da identidade paranaense. Além disso, para homenagear o artista, em 1969 foi criado o Colégio Estadual João Turin, cuja função educadora está em plena atividade. 
 Atualmente, em parceria com o governo do Estado do Paraná, a Prefeitura Municipal de Curitiba pretende criar um Memorial Paranista dentro do Parque São Lourenço, o qual contará com as obras de Turin e de outros artistas do Movimento. Com esse objetivo, no ano de 2019, o então prefeito comprou réplicas em bronze das esculturas do artista paranaense. As obras irão, então, retornar ao município, sendo que até 2012 já eram de domínio público, mesmo que em termos de comodato, emprestadas pelo sobrinho do artista.

Texto e pesquisa: Cyntia Wachowicz e Gustavo Pitz

Referência para o texto:
-Bárbara Fonseca. A arte de João Turin e a recepção dos clássicos no Movimento Paranista (1920 – 1930). Monografia. História. UFPR.
-José Roberto Teixeira Leite. João Turin – Vida, Obra, Arte. Editora Nossa Cultura. 2014. 1a. edição.  
-Elisabete Turin. A arte de João Turin. Campo Largo: INGRA, 1998.  

Sites que tratam dos temas abordados no artigo
- http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=103302&tit=Estado-destina-78-obras-para-o-Memorial-Joao-Turin-em-Curitiba
- https://theintercept.com/2020/01/02/greca-curitiba-esculturas-turin/
- https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/joao-turin-precursor-da-escultura-no-parana-bj1t0k5sx2rbfk6looaof0q4u/
- https://www.gazetadopovo.com.br/parana/jardim-esculturas-joao-turin-custo/
- https://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/casa-joao-turin-fecha-as-portas-36fk59d79kt6fdmllg81xfj2m/
- https://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/acervo-pode-mudar-de-maos-3asocl216h6tmc1ypu0jk2dzi/
- http://joaoturin.com.br/sobre/
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