Memorial de Curitiba
Memorial, qual o peso dessa palavra?
Antes de falarmos da história do Memorial de Curitiba e dos capítulos mais recentes de sua história, cabe salientar a importância de um espaço como este.
A palavra memorial vem do conceito memória, que significa “faculdade de conservar e lembrar estados de consciência passados e tudo quanto se ache associado aos mesmos”; é uma “lembrança” ou “reminiscência”. Em outras palavras, memória é a recordação daquilo que já se viveu em um passado próximo ou longínquo.
Essa faculdade de recordação, porém, é muito frágil e pode facilmente caducar, principalmente quando se deixa de usá-la. Por isso, ela precisa ser constantemente exercitada, através de revisitação a fotografias, documentos, histórias orais, cartas, diários, locais e tudo aquilo que se faz voltar ao tempo. Assim, a memória (e o passado) é mantida.
É exatamente essa tarefa de manutenção da recordação que um memorial cumpre. Embora também signifique “relato de memórias” ou “obra concernente a fatos ou indivíduos memoráveis”, um memorial, enquanto espaço edificado, serve para abrigar, preservar e valorizar memórias das mais diversas. É dentro desse cenário que se insere o Memorial de Curitiba: sua existência auxilia na manutenção da memória da cidade e contribui, assim, para que todos conheçam (ou não esqueçam) a história da capital paranaense.
Notas de uma história recente
O Memorial de Curitiba se localiza num trecho cultural efervescente do Largo, na Rua Doutor Claudino dos Santos 79, bem ao lado do Bar do Alemão e quase em frente ao antigo Solar do Rosário. Idealizado em 1993, foi inaugurado três anos depois ainda no programa de homenagens aos 300 anos da capital paranaense. Acredita-se que, antes da construção, o terreno era utilizado como estacionamento de comércios locais; porém, o passado mais antigo dele é desconhecido.
De caráter público, o espaço é gerenciado pela Fundação Cultural de Curitiba e desde a sua inauguração abriga exposições, apresentações cênicas e musicais, seminários, palestras, oficinas, congressos, lançamentos de livros, entre outras atividades. O intuito inicial (e que se estende até hoje) era o de conceder espaço às múltiplas memórias curitibanas, para então preservá-las do esquecimento. Mas por que preservá-las? Para evitar aquilo que os sábios sempre avisam: uma sociedade que desconhece ou esquece do seu passado não compreende a si mesma, pois carece de identidade.
Arquitetura
O prédio do Memorial é único. Grande parte de sua estrutura é metálica, cuja cobertura e laterais são revestidas por vidro. No centro do espaço, há uma grande coluna cilíndrica de sustentação, que é enrolada por uma escada metálica em formato de caracol; essa escada conecta o térreo aos três antares subsequentes. Para se chegar ao último andar - o terraço, chamado Mirante Marumbi - usa-se outra escada. De lá, tem-se uma visão panorâmica incrível do Centro Histórico e dos arredores da cidade.
Somadas todas essas partes do Memorial, é possível observar, interna e externamente, que a estrutura se assemelha a um pinheiro do Paraná. As fotografias expostas ao lado mostram que, se olhado de cima ou do térreo, o Memorial passa a sensação de se estar embaixo de uma araucária. Essa sensação, é claro, não é por acaso, pois o projeto da obra teve esse objetivo.
Outra característica peculiar do Memorial de Curitiba é o seu piso. O térreo, também chamado de “Piso da Praça” (pois há ali uma praça: coberta, mas é uma praça e é chamada de Praça Iguaçu), é revestido por paralelepídeos reciclados das reformas das ruas Vicente Machado e Saldanha Marinho. Esse aspecto reforça a sensação de se estar no passado, tão cara ao Memorial.
Cápsula do tempo...
Além dos paralelepípedos de ruas de Curitiba, o Memorial também resguarda uma ideia antiga entre os curitibanos: uma cápsula do tempo! Na época da construção do Memorial, logo na entrada dele, do lado de fora, foram colocados vários objetos característicos de Curitiba: fotografias, mensagens, lista telefônica, etc. Depois, eles foram concretados em forma de monólito, sobre o qual foi posta uma tampa circular de bronze com desenhos de pinhão. O objetivo é que a cápsula seja aberta em 2093, quando a cidade completará 400 anos! Um belo jeito de preservar a memória, não?
Há outros casos mais antigos de cápsulas do tempo. O mais famoso, talvez, seja o de João Turin. Em 2013, a escultura de Tiradentes (esculpida por Turin), situada na Praça Tiradentes, foi retirada para restauro; embaixo dela, havia um garrafa com um bilhete dentro, datado de 1932. Depois de retirado com muito cuidado, a leitura indicou o mais inesperado: Turin não dava informações de tesouros perdidos ou contava fofocas de seu tempo, mas fornecia a localização de uma outra cápsula do tempo! Até agora, ela nunca foi desenterrada, mas, de acordo com o bilhete, lá há uma edição do jornal “O Dia”, assinaturas e moedas de cobre e níquel.
“Desfizemos um mistério com outro”, disse Maurício Appel, então diretor da Fundação João Turin.
Aspectos artístico-culturais
As atrações culturais realizadas no Memorial de Curitiba se dividem então em três espaços, além do terraço. No térreo, logo na entrada, o chamado “Piso da Praça”, conta com dezenas delas. São esculturas em bronze de personalidades paranaenses, como o busto do Barão do Serro Azul e de Julia Wanderley, produzidas pelo artista morretense João Turin. São também de Turin as esculturas chamadas “Quatro Estações” e a inesperada e recente “Pedagogia”, que parecem estar ali de passagem, aguardando serem levadas para o futuro Jardim das Esculturas, no Memorial.
Na Praça Iguaçu também estão expostas importantes obras como a “Tocadora de Guitarra”, de autoria do escultor Victor Brecheret; “Leonardo Da Vinci”, de Poty Lazzarotto; “O Filósofo”, escultura em bronze de Zaco Paraná; “Cavalo Marinho” e “O Sonho”, do escultor Ricardo Todd (o mesmo criador do Cavalo Babão). No chão, observa-se a obra “Rio dos Pinhões”, com 15 metros de comprimento, composto de 4.500 unidades (entre pinhões e pinhas) moldadas em argila, do escultor catarinense Elvo Benito Damo, residente em Curitiba.
Afora isso, há outras tantas obras, como pinturas, monumentos e, é claro, muitas exposições, palestras e outras apresentações culturais, que acontecem em um auditório aberto, atrás do qual há paineis que retratam o desenvolvimento histórico da cidade de Curitiba.
O primeiro andar conta com a “Capela dos Fundadores”, pois ali se encontram os altares laterais que pertenceram à primeira igreja matriz de Curitiba, de 1780 a 1786. As peças são portuguesas e confeccionadas em madeira de cedro maciço.
Os altares foram transferidos para a Igreja do Rosário para a reforma da matriz e ali permaneceram até 1933, quando foi a vez da reconstrução da própria Igreja do Rosário. Foram então abandonados, tendo sido encontrados por acaso no litoral do Estado, recuperados e integrados ao acervo do Museu Paranaense. Em 1980, o Papa João Paulo II celebrou missa sobre esses altares quando esteve em Curitiba, o que agrega um valor imenso a essas peças, tornando-as verdadeiras relíquias.
Nos demais andares, existem três salas para exposições temporárias e permanentes, denominadas “Salão Paranaguá”, “Salão Paraná” e “Salão Brasil”. Além delas, há o Teatro Paraná e a Sala Himeji, espaço que homenageia a cidade japonesa que dá nome ao espaço, onde está exposta a maquete do Castelo Himeji. Em 2019, nesses salões foram inauguradas exposições sobre a história de Curitiba, dentre elas a intitulada “Tempo e Memória”. De caráter permanente, ela é composta por documentos manuscritos, fotografias e filmes com sobreposição de imagens antigas e atuais, além de réplicas de obras de arte.
Através da exposição “Tempo e Memória” e de tantas outras atividades culturais (incluindo a cápsula do tempo!), o passado de Curitiba é contado, desde os mais remotos tempos do paleozoico até a povoação por indígenas e depois por europeus e africanos (e, mais recentemente, por asiáticos). Desse modo, o Memorial de Curitiba valoriza a história da capital paranaense e a torna acessível à população, para que seja preservada e resistente aos esquecimentos causados pela irrefreável ação do tempo.