Layout do blog

O histórico prédio das Fábricas Fontana


Os patrimônios históricos e materiais da erva-mate em Curitiba são numerosos. Antigos engenhos, palacetes dos "barões", ferrovia e demais construções ainda estão em pé, carregados de história. Entretanto, a maioria destes locais é pouco conhecida; muitos deles sequer são considerados pontos turísticos, motivo pelo qual a famosa linha turismo (a jardineira) não passa por eles.

 

No texto de hoje, trataremos de um deles: o prédio das Fábricas Fontana S.A., empresa que foi e ainda é uma das maiores e mais antigas do ramo de erva-mate da América Latina. Aos que não se familiarizaram com o nome, ela também já se chamou Engenho da Glória, Engenho Tibagy-Ildefonso e Moinhos Unidos do Brasil, sendo popularmente conhecida como Mate Real!

 


Família de longa história

 

Antes de falarmos sobre esse prédio, convém contar um pouco da história da família Fontana.

 

Tudo começou quando Francisco Fasce Fontana, imigrante italiano genovês que desembarcou em terras uruguaias com sua família, resolveu sozinho subir a costa até Paranaguá. Em 1880, ele já estava estabelecido em Curitiba. Na capital, ele chegou como um “ilexfactor”, isto é, um industrial de erva mate, economia com a qual teve experiência no Uruguai. Fontana representava uma empresa uruguaia, a Silva & Irmão.

 

Aqui, ele veio receber pagamentos de Narcisa Munhoz, viúva de Caetano Munhoz da Rocha e administradora do “Engenho da Glória”, indústria de erva-mate fundada pelo marido em 1834 (foi a segunda de Curitiba). De acordo com Laura Stollmeier, “a dívida foi quitada com o próprio engenho, que outrora havia sido o maior concorrente do Engenho Tibagy (de Ildefonso Pereira Correia).” Assim sendo, o negócio passou a ser gerido por Silva, Irmão & Fontana, até ser dissolvido em 1886. Todos os bens da empresa, então, foram repassados a Fontana, que já havia contraído matrimônio em Curitiba.

 

Em 1882, Fontana casou com Maria Dolores Leão, filha do desembargador Agostinho Ermelino de Leão. Um dia antes da celebração, sem que ninguém soubesse, o noivo retirou os tapumes da frente do antigo engenho, e, para surpresa de todos, havia uma linda casa totalmente reformada. A "Mansão das Rosas”, como era chamada a casa de Francisco e Maria, era uma das mais bonitas de Curitiba, e se destacava por seu belo jardim e por um ilustre arco em estilo toscano. Ela ficava no mesmo terreno do “Engenho da Glória”, no Alto da Glória, na atual Avenida João Gualberto.

 

Ali, em 1884 Fontana recebeu a visita da princesa Isabel, que vistoriou o reformado engenho. Graças a isso, ele obteve a autorização real para progredir com os negócios da Silva, Irmão & Fontana. Teve até mudança de nome: a fábrica passou a se chamar “Fábricas Imperiais Fontana”, denominação que logo estampou o rótulo das barricas de mate.



Após a dissolução da firma em 1886, Fontana continuou a tocar os negócios. Nesse período, ele já era conhecido por sua inteligência e inventividade: ele não só conseguiu secar os banhados do rio Belém de trás do seu engenho, como também desenvolveu um sistema próprio para o trato de erva-mate, patenteado como “Sistema Fontana”. Tratava-se de máquinas a vapor que automaticamente preenchiam as barricas com mate e rotulavam-nas. Tanto a princesa Isabel quanto Conde D'eu, que também visitou a fábrica, ficaram maravilhados com o dinamismo da produção. 

 

Por conta disso, Fontana foi convidado por Visconde de Taunay a solucionar um grande problema do Alto da Glória: o banhado em frente à sua casa. Ele, então, idealizou e liderou a construção do primeiro parque de Curitiba, o Passeio Público, que drenou e também embelezou o antigo banhado. O Passeio foi inaugurado em 1886 (e sobre ele já escrevemos aqui no Turistória). 

 

Por todos esses serviços prestados, o já famoso Francisco Fasce Fontana foi condecorado, em 1888, com a “Comenda da Ordem da Rosa”. Esse título era aberto a estrangeiros e nacionais que tinham feito alguma ação honrosa ao Império. Fontana, assim, tornou-se Comendador Fontana (sendo atualmente nome de rua em Curitiba).

 

Abruptamente, porém, durante a ocupação dos federalistas em maio de 1894 em Curitiba, Fontana faleceu por um problema de saúde, deixando a esposa e o único filho, Fido Fontana. Maria Dolores Leão, viúva, seguiu os negócios com o mate, enquanto que o filho foi criado pelo avô. Em 1895, Maria mandou erguer uma capela em homenagem ao marido, a “Capela da Glória”. 



Fido Fontana e a união de engenhos

 

Conforme foi crescendo, Fido Fontana aprendeu a administrar os negócios de seu pai. Enquanto isso, sua mãe Maria Dolores se casou outra vez, agora com Bernardo Augusto da Veiga. Com ele, teve três filhos: Gabriel, Dolores e Agostinho, todos “Leão da Veiga”. Enquanto Agostinho preferiu estudar agronomia e odontologia, Dolores casou com seu primo Ivo Leão (também ervateiro), e Gabriel fundou outras marcas de mate: Independência, Fontana, Glória, Seleta, Record, La preferida e La Sultana. Ou seja, os filhos gestados por Dolores tinham uma intensa inclinação para a indústria do mate!

 

Essa inclinação da família se consagrou anos depois. No início do século XX, Fontana casou com Iphigenia Correia, filha do Barão do Serro Azul, quando ela tinha 14 anos. Juntos, tiveram 6 filhos: Zilda, Ziloah, Zilla, Zilna, Francisco e Ildefonso. Iphigenia, porém, faleceu precocemente, em 1910.

 

Depois de viúvo, Fontana juntou o Engenho Tibagy, herdado pela esposa, com o seu. Assim, sua fábrica passou a se chamar “Engenho Tibagy-Ildefonso”, embora o rótulo de seu produto continuasse a registrar “Fontana”. Pois é, os antigos engenhos concorrentes, "Glória e Tibagy”, agora eram da mesma família.

 


F.F. Fontana & Cia e o prédio da Getúlio

 

Foi essa união materializada por Fido Fontana que nos legou a maior e mais bem preservada indústria de erva-mate de Curitiba. Desde 2012 (salvo engano), o prédio é patrimônio do Instituto Federal do Paraná, que tratou de conservar boa parte da estrutura e da memória da antiga Fábrica Fontana.

 

O edifício em questão tem quase 100 anos. Ele foi erguido na região industrial do bairro Rebouças, entre a avenida Ivahy (atual Getúlio Vargas) e a João Negrão, em 1927. Ao lado dele, mas do outro lado da rua, logo em seguida chegou a fábrica Leão Júnior, cujo dono era primo de Fido. A localização do prédio era excelente pois nos fundos do terreno passava a linha férrea, principal escoador da produção de mate no Paraná. 

 

A firma de Fido foi batizada de F.F.Fontana & Cia, da qual eram sócios Alípio Ferreira Maciel, Manoel Francisco Correia e Leocádio Souza. Seu ramo de comércio era “a indústria, exportação, fábricas de beneficiar herva matte e outros negócios que convenham à sociedade”. Assim, além da fabricação da erva mate, a firma também produzia derivados, como o chá.

 

Na época, a construção impressionava pelo seu tamanho, pela modernidade de seu maquinário, mas também por manter muitas das inovações criadas lá atrás, por Francisco Fontana. No complexo também havia gráfica para produção litográfica, especialidade de Fido e ótima ferramenta de marketing para os produtos (confecção de rótulos e embalagens). Nela trabalhavam Kirstein e Schroeder, imigrantes alemães que trouxeram a técnica da decalcomania ao Paraná.

 

Além de ervateiro e presidente das “Fábricas Fontanas S.A.”, Fido também foi presidente da Associação Comercial do Paraná, do departamento regional de Touring Club do Brasil e Vice-cônsul da Bélgica em Curitiba.

 

Fido Fontana faleceu em 1946, aos 63 anos. 



Terceira geração dos ervateiros Fontana

 

Francisco Flávio Fontana e Ildefonso Correia Fontana mantiveram a fábrica de erva-mate do pai. Ambos deram continuidade tanto na fabricação da erva-mate quanto na do chá. Flavio, porém, logo se dedicou à advocacia, enquanto que Ildefonso tocou os negócios da família até se aposentar. Curiosamente, ele ostentava o nome e sobrenome de seu avô paterno, o Barão do Serro Azul, e também o sobrenome Fontana, de seu pai e avô materno. A erva-mate estava em suas veias!

 

Foi por iniciativa de Ildefonso que quatro importantes engenhos se fundiram em 1953, momento em que o mercado da erva-mate diminuiu drasticamente. Assim surgiu o Moinhos Unidos Brasil Mate S.A. (MU), fruto da associação entre a David Carneiro & Cia S.A., José Lacerda & Cia Ltda., B.R. Azevedo & Cia Ltda e Fábricas Fontana S.A. Até hoje a MU segue administrada por essas famílias, responsáveis não só pela manutenção da marca de erva de chimarrão Fontana, como pela criação do famoso Mate Real.

 

Por muito tempo, o prédio continuou sendo utilizado pela Moinhos Unidos do Brasil. Ali foi fabricado pela primeira vez mate queimado e chás de linha natural, como de frutas e flores. Depois de um grande incêndio em suas dependências em 1975, e do deslocamento da zona industrial para a Cidade Industrial de Curitiba, a fábrica da Getúlio começou a ser desativada.

 


Dias atuais e legado

 

Hoje, a Erva Fontana, os produtos da Mate Real e demais empreendimentos da Moinhos Unidos do Brasil são produzidos em outras regiões. Mesmo assim, o prédio da antiga Fábrica Fontana continua lá, com uma história que remonta ao ano de 1834, quando Caetano Munhoz da Rocha fundou o Engenho da Glória.

 

Felizmente, o IFPR está comprometido com a preservação do local. Os grandes moinhos e silos da fábrica, por exemplo, permaneceram montados, assim como boa parte da estrutura foi mantida. Além disso, o historiador e professor do Instituto, Edílson Chaves, achou um enorme cofre na antiga indústria, onde foram descobertos quilos e mais quilos de documentação. Desde então, Chaves realiza projetos de educação histórica no local, para dar destaque à importância da história e de sua preservação.

 

Por todas essas valiosas histórias, é uma grande pena que a jardineira não passe por lá.


Texto e pesquisa de Gustavo Pitz

Fonte de pesquisa:  

Laura Antunes Stollmeier. OS FONTANA: ASPECTOS DA EXPERIÊNCIA IMIGRANTE (1880-2015). Dissertação de mestrado, Sociologia UFPR, 2016.


https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/43746/R%20-%20D%20-%20LUARA%20ANTUNES%20STOLLMEIER.pdf?sequence=3&isAllowed=y


https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/pesquisadores-aprendizes-encontram-cofre-com-tesouros-da-mate-real-ekfagx8hcrg6qvdehqfqnfjjp/?fbclid=IwAR0LcslCWycYrTbqfCJQ6qZZeDgMn-QueZ_Z4EMVHLErtlEYhKsORyT52Bs#ancora-1


https://arquivoarquitetura.com/012##6336-6339-galeria-012

Por CYNTIA MARIA 22 de agosto de 2023
O centenário de um dos maiores botânicos do Brasil. Gerdt Hatschbach, o o homem que coletava.
Por Gabriel Brum 5 de maio de 2023
Conheça a história do teatro curitibano, que tem sua expressão máxima no Teatro Guaíra, e possui uma tradição de mais de 160 anos.
Por Gabriel Brum Perin 20 de março de 2023
Saiba mais sobre a história da Umbanda no Brasil e sobre o maior terreiro de Umbanda do Paraná
Mais Posts
Share by: