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Trajano Reis, a antiga rua do Cemitério

A Rua Trajano Reis, que vai desde o centro histórico de Curitiba até o alto do Bairro São Francisco, é assim chamada desde novembro de 1919, em homenagem ao médico e político Dr. Trajano Reis, que morava na região e havia falecido em 11 de agosto daquele ano. 


Trajano Reis foi um médico e político paranaense, que se destacou pela sua atuação sanitarista. Durante a pandemia de gripe espanhola, que chegou em Curitiba em 1918, grandes foram as suas campanhas que defendiam, entre outras medidas, o isolamento social, o uso de máscaras e a higiene das mãos. 

A história da Rua Trajano Reis, no entanto, é ainda mais antiga, e remete a quando se chamava Rua do Cemitério e, posteriormente, Rua América.


O nome Rua do Cemitério se deve ao fato dos cortejos fúnebres que por ali passavam, uma vez que o
Cemitério Municipal São Francisco de Paula - inaugurado em 1854 - ficava no ponto mais alto da rua, onde permanece até hoje. Na outra extremidade da rua está a Igreja do Rosário, e, mais abaixo, a Catedral. Então era comum que cortejos fúnebres saíssem dessas igrejas até o cemitério percorrendo a Rua do Cemitério.

Importantes acontecimentos históricos, tanto a nível regional quanto nacional e mundial, tiveram algum grau de relação com a história da rua. Um dos mais antigos de que se tem registros é a Revolução Federalista (1893-1895).


Na esquina da então Rua América com a atual Rua 13 de Maio, havia um quartel do exército. Foi desse quartel que saíram, em maio de 1894, Barão do Serro Azul e outros cinco homens presos, a caminho do que seriam suas mortes.


O Barão do Serro Azul foi assassinado em 20 de maio de 1894 por ter sido considerado um traidor pelas forças oficiais. O discurso oficial da época é o de que Barão teria traído o governo (grupo identificado como pica-paus) negociando com os revoltosos (maragatos) em troca de que estes não saqueassem a cidade de Curitiba. Sob essa alegação, Barão foi preso.


O último lugar em que o Barão esteve antes de ser fuzilado no km 65 estrada de trem de Curitiba a Paranaguá, foi uma das sedes do quartel da Rua América, afirma a historiadora Cassiana Lacerda em seu texto “1894 – Curitiba oblíqua e dissimulada em tempos de revolução”, na Revista Ideias. Na foto abaixo, as duas construções com mastros são as sedes do mesmo quartel.

Na mesma esquina, na quadra oposta, havia a alfaiataria de João Faucz, imigrante polonês e vereador de Curitiba. Não tivemos acesso a informações de quando o estabelecimento foi inaugurado e até quando funcionou, mas podemos afirmar que em 1911 ele estava em funcionamento, conforme nos confirma a imagem abaixo:

Na mesma altura da rua mas na quadra oposta ficava um sobrado que pertencia a Matilde Straube, construído em 1913. No primeiro piso funcionaram diversos comércios, inclusive uma farmácia, que pode ser observada na foto abaixo. Desde 2020, o casarão abriga a sede da Companhia dos Palhaços e o Espaço Fantástico das Artes.

Nessa mesma quadra, na esquina da Rua Trajano Reis com a 13 de Maio, fica a casa que pertenceu à família Macedo - Manoel Azevedo Macedo e Leonídia de Macedo. Atualmente, ela apresenta bom estado de conservação.

Em 1914, algumas quadras abaixo, instalava-se na rua um dos seus estabelecimentos mais antigos e tradicionais: a Padaria América, propriedade da família de imigrantes alemães Engelhardt. A região, incluindo tanto a própria Rua América como ruas próximas, era, nessa época, um espaço de muita tradição de imigrantes alemães - com o Clube Concórdia, na esquina da Rua Carlos Cavalcanti com a Rua Duque de Caxias; e a Igreja da Comunidade Luterana Alemã, na própria Rua América. Stenzel, Weber, Marty, Zunke, Ziekur eram muitas dessas famílias alemãs que moravam ali.


Também há registros de imigrantes italianos e poloneses que se instalaram no local, como as famílias Morelli, De Luca, Ferran, Maerski, Maleki, Zaniski, entre outras tantas, a maioria dedicada ao ramo comercial. Entre o final do século XIX e início do XX, na Rua América foram inauguradas sapatarias, alfaiatarias, armazéns de secos e molhados, barbearias, chapelarias, além de escritórios, moinhos e até marmoraria e funerária - tendo em vista a proximidade com o cemitério -, a maioria deles propriedade de imigrantes europeus. 


Isso mostra o caráter comercial da Rua América, bem como sua importância no cenário curitibano. É por isso que ela ganhou um trilho de bonde na década de 1910, bem como revestimento de paralelepípedos e iluminação pública. Era o único ramal que ligava o centro à região do Pilarzinho.

A primeira igreja luterana a ocupar o terreno foi construída ainda no século XIX, tendo sido inaugurada em 1876. O templo era de madeira, em estilo enxaimel - típico de edificações construídas por imigrantes alemães. Alguns anos depois, no entanto, em 1892, devido ao estado de degradação da madeira, ela teve de ser demolida para dar lugar à outra Igreja, inaugurada em 1894 e que permanece na paisagem da Rua Trajano Reis até hoje.

Já entre a Rua Inácio Lustosa e o Cemitério há uma casa em que consta na sua parede lateral “J1897P”. Não conseguimos informações sobre o motivo das letras “J” e “P”, mas quanto a “1897”, presumimos que seja o ano de construção da casa. Sabemos também que a casa teve notórios moradores.


Um deles foi Joaquim Antônio de Moraes Sarmento, cearense patrono da Polícia Militar do Paraná e alferes que lutou ao lado de João Gualberto na Guerra do Contestado. Na foto abaixo, podemos vê-lo junto de sua família e, atrás, a casa mencionada, onde moravam. Joaquim é o homem em pé ao lado de uma das mulheres com um bebê de colo, à direita da imagem.

Ao lado dessa casa, há uma azul em estado precário de conservação, onde morou a família Stenzel - o casal Maria Luisa Raschendorfer e João Stenzel. Um de seus filhos e, pode-se dizer, o membro mais famoso da família é Erbo Stenzel, escultor nascido em Curitiba em 1911 e que possui diversas de suas obras espalhadas por importantes locais da capital paranaense.

Pouco abaixo dos Stenzel, está uma casa que foi recém reformada e pintada na cor bordô. Foi construída em 1914 a pedido do imigrante alemão Francisco Strobel, e em 1968 foi morada de Maria Adelaide Salvador.

Na esquina da Rua Trajano Reis com a Rua Paula Gomes há duas construções que mantêm a fachada arquitetônica da época em que foram construídas. Uma delas, de número 315, foi construída por Francisco Maleski em 1914. Ao longo do século XX, o espaço foi utilizado como açougue e bar. Em 2014, a casa foi atingida por um incêndio e, embora seja uma Unidade de Interesse e Preservação, atualmente (2022) está em estado de abandono.

Ao lado, com a fachada amarela, está a Casa do Contador de Histórias. Originalmente, ela e a casa da esquina eram o mesmo endereço, quando pertenciam à família Maleski. Na década de 1960, o espaço foi dividido em sublotes, dando origem a um novo endereço, onde desde 2003 fica a Casa do Contador de Histórias - associação sem fins lucrativos que tem como objetivo “resgatar o ato milenar de contar histórias para ajudar as pessoas a se conectarem aos seus sonhos e ao amor pela vida, despertando a consciência dos valores universais para a construção de um mundo melhor.”

Na mesma esquina, há o prédio que hoje está sendo utilizado como Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude. A construção é de 1900 e, por volta de 1920, o casal Maria Buschmann Leal (imigrante austríaca nascida em 1873) e Francisco Leal compraram a casa. Foi também utilizada como açougue de Carlos Ziekur e, mais recentemente, até 2017, estava sendo utilizada como sede dos cursos técnicos do Colégio Martinus. O Colégio Martinus é vinculado à já citada Igreja Luterana, que fica na mesma rua, uma quadra acima.

Como mostramos neste texto, a Rua Trajano Reis é sobreposta por diversas camadas de diferentes época da história curitibana. No total, a Rua conta com 15 edificações que são Unidades de Interesse e Preservação, seja devido à sua importância histórica, arquitetônica ou cultural.


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