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13 de maio ou 20 de novembro: o que devemos comemorar?

Isaías Caminha, protagonista do romance “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” (1909), de Lima Barreto, era um jovem negro do interior do Rio de Janeiro. Muito inteligente e preparado, tinha o sonho de se tornar “doutor” na cidade do Rio de Janeiro. Para isso, detinha a tão necessária “carta de recomendações”, isto é, o Q.I. (quem indica).


Quando chegou à capital, Isaías Caminha se deparou com uma situação muito comum em sua época (e não só na dele): apesar de ter todos os atributos, ele não conseguiu uma vaga para estudar, nem mesmo uma oferta boa de emprego na área em que desejava. O motivo: a cor de sua pele. Assim como tantos outros afro-brasileiros, Caminha foi mais uma vítima do racismo estrutural brasileiro, que persistiu e marginalizou a comunidade negra mesmo após a abolição da escravidão.

 

No mundo da não-ficção, certamente Lima Barreto estaria satisfeito se presenciasse os atuais debates sobre o significado histórico do dia 13 de maio, a data da Abolição da Escravidão no Brasil.

 


A Abolição e os feriados

 

Em uma grande cerimônia realizada no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1888, que contou com uma mega missa, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que decretou a tão sonhada liberdade aos mais de 700 mil escravizados no país. Assim, o Brasil se tornava o último país do mundo a criminalizar a escravidão.

 

Com o advento da República, uma das primeiras iniciativas do estado foi tornar a data 13 de maio feriado nacional. Sim, era dia de celebrar a liberdade! Em 1930, entretanto, Getúlio Vargas revogou este e outros feriados instituídos pela República Velha, para decretar o seu distanciamento com a política do passado e enfatizar unicamente as datas que comemoravam “a continuidade e a solidariedade de todas as gerações humanas”. Nesse cenário, o 13 de maio era visto como algo a ser superado e a escravidão, esquecida.

 

Foi somente em 2003 que a celebração ao passado da comunidade negra no país se tornou pauta pública. Pelo projeto de lei nº 10.639, ficou estabelecido o “Dia da Consciência Negra”, que tornou obrigatória a temática "história e cultura afro-brasileira" nas escolas públicas de todo o país, no dia 20 de novembro. Em 2011, enfim, o 20 de novembro foi instituído, mas sem obrigatoriedade de feriado. Hoje, o “Dia Nacional da Consciência Negra” é considerado feriado em mais de mil municípios; em nenhuma cidade do Paraná, porem, a data é feriado.



A crítica ao 13 de maio

 

"13 de maio, primeiro de abril. Nessa história negro não caiu. E viva Zumbi! E viva Zumbi!"


Assim cantam as mulheres do grupo Ilú Obá De Min, associação feminina paulistana criada em 2004, que tem como base “o trabalho com as culturas de matriz africana, afro-brasileira e a mulher.” Em todos os dias 13 de maio, suas integrantes fazem a “Lavagem da Mentira” na escadaria Dom Orione, no bairro do Bexiga, em São Paulo.

 

O verso deixa explícito: para elas, o 13 de maio é uma data problemática, para dizer o mínimo. Mas é importante enfatizar: não é porque elas são contrárias à abolição da escravidão, obviamente; o que se critica é o modo como a data foi tratada no Brasil.

 

Para entender melhor a crítica, lembremo-nos do modo como a abolição da escravidão foi explicada a nós na época de escola. Eu garanto que a princesa Isabel foi tratada como heroína por assinar a Lei Áurea, como se ela e o Império fossem abolicionistas. É romântico, de fato, pensar assim, mas é uma grande mentira.

 

Ao imputarmos esse heroísmo, nós esquecemos do seguinte: a abolição foi conquistada pela atuação do movimento abolicionista e, principalmente, pela resistência dos escravizados, que desde os tempos de colônia contestavam a sua condição. Ou seja, o 13 de maio esteve envolvido num gigantesco e violento processo político, organizado por negros e não-negros.

 

Desta forma, é importante termos em mente que a conquista da liberdade não foi pela bondade da elite do país; ela, inclusive, muito resistiu para abolir o trabalho escravo, já que era a escravatura que sustentava o Império e as classes dominantes no Brasil. Não à toa, fomos a última nação a abolir a escravidão, medida que somente foi concretizada quando D. Pedro II estava em decadência e o regime de trabalho escravo, ilegítimável.

 

Por isso, para a comunidade negra do Brasil (da qual o Ilú Obá De Min faz parte), o dia 13 de maio não deve ser celebrado, e sim lembrado como uma data de protesto: ela não simboliza uma conquista dos afro-brasileiros, mas a negação da sua liberdade e o apagamento histórico de suas lutas contra a escravidão. Em suma, ela não dá protagonismo àqueles que verdadeiramente combateram o regime escravocrata, como José do Patrocínio, Luiz Gama e Joaquim Nabuco, para citar exemplos bem conhecidos.

 


O pós-abolição

 

Além das questões discutidas até aqui, é fundamental destacar que a abolição da escravidão no Brasil não promoveu a igualdade social no país. Sim, para a comunidade negra, a conquista jurídica de liberdade se tratou de um grande feito, “que devia ser celebrada e amada”, conforme dizia o abolicionista curitibano Leocádio Júlio D’assumpção, negro ex-escravizado. Na prática, porém, as coisas não mudaram tanto.

 

O regime republicano, logo que foi instaurado em 1889, reiterava que a escravidão foi um problema do Império, e não dele. Assim, não estava em suas pautas assegurar o ingresso dos ex-escravizados e descendentes à sociedade brasileira, de modo a garantir boas oportunidades de trabalho, educação e amparo constitucional.

 

Não por menos, muitos libertos continuaram a trabalhar nas fazendas de seus antigos senhores, e aqueles que se deslocaram aos grandes centros urbanos, já que não conseguiram comprar terras no campo, tiveram de se submeter a péssimas condições de trabalho e moradia.

 

O ministro Rui Barbosa, por exemplo, queimou N documentos relativos à escravidão, para tentar apagar esse passado do Brasil e assim desresponsabilizar o Estado de adotar medidas de reparação histórica. Em consequência, a profunda desigualdade social brasileira (herança da escravidão, entre outros fatores) manteve a comunidade negra marginalizada e discriminada racialmente, situação que Lima Barreto nos descreve em seus romances. 


A simbologia do dia 20 de novembro

 

Com o tempo, o movimento negro passou a adotar outras referências históricas para representar a sua luta por igualdade, distanciando-se da contraditória comemoração da abolição. Uma referência escolhida foi Zumbi dos Palmares.

 

Em 1986, o IPHAN tombou a Serra da Barriga como patrimônio nacional, local onde sobreviveu, por 100 anos, Palmares, o maior, mais duradouro e mais organizado quilombo já implantado nas Américas. Desde 2007, o lugar foi transformado em Memorial, que fica a 9 km de Maceió, Alagoas.

 

Esse movimento foi fundamental pois, dentre outras coisas, resgatou a figura histórica de Zumbi dos Palmares, principal líder do quilombo e uma das maiores figuras de resistência à escravidão na América. Sua morte, atribuída ao dia 20 de novembro de 1695, coincide com a aniquilação do quilombo pelas tropas reais, que assassinou mais de 20 mil africanos e afrodescendentes ali residentes.

 

Atualmente, Zumbi é reconhecido como herói da comunidade negra brasileira, sendo assim um mito fundador que dá sentido à história de luta e resistência dos afro-brasileiros.

 

Ao oficializar o Dia da Consciência Negra em tributo a Zumbi dos Palmares, o significado contraditório de 13 de maio foi substituído pela valorização daqueles que fizeram rebeliões, quilombos, cabanagens e revoltas contra a escravidao.

 

A memória de Zumbi e a comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra impedem o apagamento histórico e destacam, sobretudo, que o projeto nacional brasileiro está longe de ser igualitário e harmonioso.


Texto e pesquisa de Gustavo Pitz

Fonte de pesquisa:  


https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/05/13/por-que-o-13-de-maio-e-uma-data-de-protesto-e-nao-de-comemoracao.htm


https://www.calendarr.com/brasil/dia-nacional-da-consciencia-negra/


https://iluobademin.com.br/institucional/quem-somos/


https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/olhar-curitiba-retrata-a-fe-durante-a-lavagem-das-escadarias-da-igreja-do-rosario/48497


https://acervo.fpabramo.org.br/index.php/marcha-zumbi-dos-palmares-brasilia-df-20-nov-1995-credito-fernando-cruz;isad?sf_culture=es


https://www.bemparana.com.br/noticia/correcao-consciencia-negra-e-feriado-em-apenas-15-dos-municipios-brasileiros-663#.YJxdzdVKjIU


https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/15/politica/1573824412_841710.html


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/67/Missa_17_maio_1888.jpg


https://www.fotografandocuritiba.com.br/2017/07/sociedade-operaria-beneficente-13-de.html


https://www.thecities.com.br/Brasil/Paran%C3%A1/Curitiba/Lazer/Pra%C3%A7as/Pra%C3%A7a-Zumbi-dos-Palmares/3066/


https://familiapetroski.blogspot.com/2012/07/praca-zumbi-dos-palmares-pinheirinho.html


https://curitibaspace.com.br/rua-treze-de-maio/



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