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Que fim levou a Sociedade Protetora dos Operários?

O artigo abaixo somente existe por conta das pesquisas da historiadora Pamela Beltramin Fabris, cuja importância aos estudos da comunidade negra curitibana do pós-abolição é incomensurável. A maioria das informações aqui descritas foi desenterrada por ela desde a sua graduação. Infelizmente, Pamela faleceu no dia 29 de julho de 2021, aos 36 anos.


Este texto foi escrito antes de seu falecimento, mas editado agora, no mesmo dia 29. Que ele seja, então, uma breve homenagem àquela que foi a historiadora do povo comum.


Origens


Fundada em 28 janeiro de 1883, a Sociedade Protetora dos Operários foi idealizada pelo mestre de obras Benedito Marques dos Santos. Benedito era um homem negro, e há indícios de que fosse ex-escravizado. Assim como ele, a maioria dos associados era negra e, claro, da classe trabalhadora.


A sociedade operária foi pioneira em Curitiba. Ela se tornou uma das primeiras instituições publicamente reconhecidas de apoio mútuo entre trabalhadores e trabalhadoras. Em seu estatuto, era assegurado o direito de amparo financeiro a seus agremiados e familiares “em caso de moléstia, morte ou invalidez, perseguições”, e o acesso a “todos os meios de instrução e recreio que estiverem ao seu alcance”.


Inicialmente, a sede era na residência do ex-escravizado João Batista Gomes de Sá, localizada na Rua do Mato Grosso (atual Comendador Araújo). Vale lembrar que essa região da Comendador Araújo, à época, concentrava grande número de trabalhadores, desempregados e demais pessoas em situação de pobreza. Gomes de Sá era sócio importante da agremiação, já que foi seu procurador e presidente nos primeiros anos. 



Desenvolvimento

 

Poucos anos depois, com o crescimento da Sociedade, os sócios adquiriram um novo terreno no Alto São Francisco, na rua Desembargador Ermelino de Leão (em frente à atual Praça João Cândido, próximo ao Museu Paranaense). Ali construíram um bonito prédio, grande o suficiente para as reuniões, festivais e demais atividades realizadas pela entidade. Tratava-se de um casarão em estilo eclético, com cinco janelas no térreo e três no andar superior, além de um frontão em estilo europeu, que em muito lembra a fachada do Solar do Rosário.


A Sociedade Protetora dos Operários funcionou ali por décadas. Embora inicialmente de maioria preta, com o tempo ela se tornou multiétnica e ainda mais ligada ao movimento operário de Curitiba. A entidade organizava as comemorações do 1. de Maio, debatia adesão às greves e propunha debates sobre as condições de trabalho, questões relacionadas ao sistema econômico vigente, etc. Na maior greve da história da capital do Paraná, em julho de 1917, o movimento de protesto se iniciou em frente à Sociedade

 

Já na década de 1930, o engajamento social da agremiação se estendeu à educação. Nessa época, nela foi montada uma biblioteca e uma escola noturna para instrução dos seus sócios. Ela se chamava Escola Operária Benedito Marques, cujo professor, Adolpho Britto, também foi um homem negro descendente de escravizados.


Mudanças

 

Em 1954, Edgard Antunes da Silva, o “Tatu”, assumiu a presidência da entidade. A partir de então, a Sociedade Protetora dos Operários adquiriu um novo caráter. O local passou a sediar grandes bailes e a se tornar ponto de encontro nos carnavais da cidade. Um famoso evento era o “”Gala Gay”. Havia também competição de melhor fantasia e inúmeros shows de música, principalmente na década de 80, quando, dizem, a Sociedade teve o melhor rock de Curitiba. Foi aí que ela passou a se chamar “Ópera-Rio”.

 

O “Ópera-Rio” atraía pessoas de todas as idades, classes, gêneros, e ideologias. Com a morte do famigerado “Tatu” ainda na década de 80, porém, os eventos se tornaram cada vez mais escassos e o número de sócios da Sociedade diminuiu drasticamente. A entidade somente sobreviveu graças às “lambaterias”, eventos boêmios de lambada que agitavam a já não tão agitada Sociedade, às rodas de samba e às comemorações de aniversário do clube operário, nos dias 28 de janeiro.


No início dos anos 2000, a Sociedade foi destituída e se transformou em casa de shows e, depois, em lava-car e estacionamento. Depois de um incêndio nos anos 90 que comprometeu suas instalações, a agremiação nunca mais foi a mesma.

 

Legado ou destruição?

 

No auge, a Sociedade Protetora dos Operários contou com mais de 500 sócios. Como local de eventos, ela foi conhecida pelo ambiente democrático que sempre manteve. Já como local de organização operária, a entidade ficou famosa não só pelo auxílio aos seu agremiados, mas pelo papel combativo no movimento dos trabalhadores ao longo do século XX.

 

Depois de findada, entretanto, a sede da Sociedade se deteriorou como nunca. Embora pese o fato de seus proprietários deixarem de restaurá-la nos últimos anos, a prefeitura de Curitiba nunca a tornou uma unidade de interesse de preservação (UIP). Caso fosse, o patrimônio poderia ser preservado.

 

Para celebrar esse descaso com a memória de uma instituição e de um prédio centenários, a prefeitura recentemente comprou o prédio da Sociedade (ou o desapropriou, não sabemos). Em seu lugar (sim, a construção já está demolida), haverá uma obra de arte contemporânea, também chamada de estacionamento, que servirá àqueles que querem visitar a Feirinha do Largo da Ordem ou o Palácio Belvedere.

 

Mas, cuidado! O estacionamento será pago (sistema estar), e, caso não pague, você receberá não uma carteirinha de sócio da Sociedade Operária, mas uma bela e salgada multa de trânsito.

 

A nós, fica o questionamento: a quem interessa esse apagamento da memória de uma sociedade operária histórica, fundada por descendentes de escravizados?

Texto e pesquisa de Gustavo Pitz

Fonte de pesquisa:  


FABRIS, Pamela B. "Sociedade Protetora dos Operários (Curitiba)". 2019. https://afrosul.com.br/sociedadeproteroraoperarios/


FABRIS, Pamela B. "Associativismo e Experiência Política em Francisco Dias Bittencourt (Curitiba, 1900 - 1925)". 2016

http://www.encontro2016.pr.anpuh.org/resources/anais/45/1468203879_ARQUIVO_AssociativismoeExperienciaPolitica-PamelaB.Fabris.pdf


MARCHESIN, Caroline M. "“POR SER, COMO É, UMA ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE, CONSTITUÍDA DE HOMENS DO TRABALHO, DE CIDADÃOS DIGNOS”: A SOCIEDADE OPERÁRIA E BENEFICENTE PROTETORA DOS OPERÁRIOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO CENTRAL DE CURITIBA (1883-1910)". Monografia, UFPR, 2019.



https://pergamum.curitiba.pr.gov.br/vinculos/00009d/00009d15.pdf?fbclid=IwAR3n7V0UQtaJ3tVNTsO5GkC268P4LcVlbnso19sAgZLsWEBrGCavH6Sc1nk


https://www.folhadelondrina.com.br/cadernos-especiais/as-varias-faces-de-um-clube-625680.html


https://tribunapr.uol.com.br/noticias/curitiba-regiao/predio-da-sociedade-operario-e-demolido-e-sede-sera-estacionamento-inteligente-em-curitiba-anuncia-greca/



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