A Praça do Seu Francisco
Na maioria dos casos, praças, parques, bosques e jardins são criados por prefeituras. A escolha desses locais geralmente homenageia políticos, militares, personalidades conhecidas ou um grupo de pessoas, como é o caso do Memorial Ucraniano. São poucas ocasiões nas quais o homenageado é um personagem menos conhecido e que não frequentou espaços de poder.
Um desses poucos casos é a Praça do Seu Francisco. Localizada no bairro Juvevê, em Curitiba, ela é um exemplo de como a comunidade pode se apoderar do espaço público e realizar atividades para o bem-comum, e também de como se pode homenagear os sujeitos comuns da história, nesse caso, o Seu Francisco.
Quando tudo começou
O terreno da esquina entre as ruas Marechal Mallet e Manoel Eufrásio foi ocupado pela União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (UPES) desde a década de 1950. Em 1977, o governo estadual enfim doou o lote à UPES, que ali mantinha sua sede.
No ano de 1995, até hoje de forma inexplicada e irregular, a gestão da UPES vendeu o seu terreno a uma pessoa pelo valor de 7 mil reais. Doze anos mais tarde, em 2007, essa pessoa revendeu o lote a uma construtora, que o mantém registrado. Devido às irregularidades da venda, as gestões posteriores e a atual gestão da UPES entraram com ação judicial que contesta o negócio.
Em meio a esse litígio, a UPES continuou ocupando o lote de terra. A casa que a entidade ali mantinha foi derrubada pela construtora em 2009, e uma outra casa, reconstruída no local pela UPES, pegou fogo em 2014. Dali em diante, o terreno ficou praticamente abandonado.
Vendo esse abandono, Francisco Toda, que morava num prédio ao lado do terreno, decidiu agir. Ele já tomava conta da propriedade mas, depois do último ocorrido, passou a dedicar 3 horas do seu dia para limpar o lote e ali cultivar um lindo jardim com horta, que era aberto à população.
Essa preocupação com o bairro, com a natureza e com o bem-viver em comunidade fez o Seu Francisco ser ainda mais querido pelos moradores. Para eles, o jardim se tornou uma atividade semanal de lazer e de encontro com o outro. Nos finais de semana, a roda de conversa no chamado “jardim do Seu Francisco” ou “jardim do vovô” era certa.
Seu Francisco
Francisco Toda chegou em Curitiba no início dos anos 2000. Era casado com Fumiê Toda e tinha um filho, Marcos Toda. Natural de Tupã, São Paulo, viveu no Japão por muitos anos antes de chegar na capital paranaense, onde trabalhou em diversos ramos da área comercial. De estatura pequena e disposição sem igual para o trabalho, seu Francisco tinha um lema de vida: “Eu tenho um lema, sabe? Viver, amar, ser amado, ser reconhecido e ser útil”, disse em entrevista ao jornalista Rafael Moro Martins, em 2017.
De segunda a segunda, seu Francisco, sempre com o rastelo em mãos, cultivava flores, verduras e temperos nos canteiros de seu jardim; também podava árvores, mantinha o caminho e a calçada limpos e até construía banquinhos que ficavam no meio da praça.
Foi grande a tristeza dos moradores do bairro quando a esposa de seu Francisco, Fumiê, faleceu em 2017, em decorrência de complicações de um AVC sofrido anos antes. Ele ficou certo tempo no norte do Paraná para o funeral, e a ausência e o luto de seu Francisco reverberaram no jardim: o mato cresceu, a horta murchou e as flores não desabrocharam. Francisco acabou voltando ao bairro pouco depois e, mais do que nunca, continuou a dedicação de sempre.
Apesar do vigor físico, de forma inesperada, Francisco Toda faleceu em 24 de agosto de 2018, vítima de uma pneumonia. Foi grande o susto e a tristeza do filho, Marcos, e de todos os moradores que conheciam o seu Francisco e que frequentavam o seu jardim.
Se a ausência dele foi e é bastante sentida, inegável é o seu legado: Francisco continuou amado e reconhecido. Desde a sua morte, o jardim ganhou uma placa em sua homenagem: “Praça do Seu Francisco”, e além disso, até hoje os moradores cuidam do espaço, com o mesmo cuidado e dedicação de seu criador.
Esta foi a forma encontrada pelos moradores para manter a memória de seu Francisco viva, e também para conservar um espaço de lazer e sociabilidade em meio à natureza, que é tão fundamental para o convívio em comunidade. Seguindo a lição de seu Francisco, as pessoas continuaram a ocupar o espaço público e a transformá-lo.
Destruição e reocupação da Praça Seu Francisco
Tudo ia bem até que na manhã de sábado, no dia 12 de fevereiro de 2022, há pouco mais de um mês, a construtora supostamente proprietária cercou o terreno e, com tratores, derrubou árvores e destruiu o jardim. A notícia causou revolta entre os moradores do Juvevê e também entre outras pessoas, coletivos e políticos locais.
Devido a repercussão do caso, a UPES conseguiu uma liminar na Justiça que manteve a praça sob sua posse legal. Logo na manhã seguinte, em pleno domingo, cerca de 50 pessoas participaram da retirada dos tapumes e começaram a replantar, quase do zero, o jardim comunitário; os banquinhos, a mesa, o balanço e até o escorregador foram recolocados na praça. Houve salva de palmas e muita euforia entre os envolvidos, que certamente sentiram o gosto que é agir coletivamente. Nos dias seguintes, os trabalhos de reconstrução continuaram.
Ainda não se sabe qual será o destino da Praça do Seu Francisco, e por isso os moradores estão apreensivos. A UPES pretende finalizar a regularização do terreno, o que significará a continuidade do jardim comunitário.
O que é certo é que, se o Seu Francisco já havia sido homenageado, agora ele foi honrado: seus aprendizes lutaram por aquilo que ele construiu e deixou de herança à comunidade, tornando-o ainda mais reconhecido, como sempre quisera.
Texto e pesquisa: Gustavo Pitz
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