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História do Largo do Rosário (ou Praça Garibaldi) de Curitiba

Saindo do Largo da Ordem e subindo pela Rua Dr. Claudino dos Santos, chegamos ao Largo do Rosário, local onde até hoje floresce a cultura da cidade. Hoje chamado de Praça Garibaldi, o Largo do Rosário leva esse nome por estar à frente da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito. Desde o século XIX, é um espaço ocupado pela população de Curitiba para atividades culturais, sociais e políticas, como greves, desfiles, cerimônias religiosas e feira de artesanato. Embora muitos o chamem de Largo da Ordem, não confunda: o Largo da Ordem se localiza somente em frente à Igreja da Ordem. Ambos os largos, porém, fazem parte do Setor Histórico e foram, ao longo do tempo, bastante transformados (e também preservados) - o artigo sobre o Largo da Ordem você pode conferir aqui


Vamos conferir mais dessa história do Largo do Rosário?

Na década de 1870 já há documentos que apontam a sua existência com esse nome, que, como foi dito, deriva do fato de estar situado em frente à Igreja do Rosário. Era costume, até o final do século XIX, a construção de igrejas nas regiões centrais da cidade, mantendo-se em frente um espaço amplo e aberto para servir a missas campais, espaço de convivência e paragens de muares. Pode-se dizer, até, que os largos funcionavam como antessala das igrejas. 

Ao longo dos anos, devido à maior circulação de pessoas e com o surgimento dos bondes, o Largo do Rosário ganhou revestimento de macadame e, depois, de paralelepípedo. Por ali passavam carroças em direção ao centro da cidade — ao Largo da Ordem, por exemplo —, cortejos fúnebres, desfiles cívicos, militares e até greves operárias. Por conta das inúmeras sociedades operárias localizadas no Alto São Francisco, a atual Rua Kellers, que antes começava no Largo do Rosário, era chamada de Rua dos Operários.


Talvez seja essa, inclusive, a principal característica do Largo do Rosário ao longo de sua história: um espaço ocupado pela população. Ali começavam os festejos organizados pela Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio (cuja história você pode conhecer aqui), realizada anualmente em comemoração ao aniversário da abolição da escravidão no Brasil, festa até hoje mantida pelos sócios. Atualmente, faz parte da celebração uma roda de capoeira formada no meio do Largo, que sucede à missa realizada na Igreja do Rosário, no dia 13 de maio (lembrando que entre 1890 e 1937, a capoeira foi ilegal no Brasil).

Também é no Largo do Rosário em que há a lavação das escadarias da Igreja do Rosário, cerimônia religiosa realizada no Dia da Consciência Negra (20 de novembro). É importante lembrar que a Igreja do Rosário foi construída por africanos escravizados e seus descendentes, já que a eles era proibida a entrada nas demais igrejas católicas. 

Patrimônios do Rosário


Além da Igreja do Rosário, inaugurada ali em 1736, ao redor do largo há outros patrimônios, a maioria com mais de 100 anos de existência. É o caso do Palacete Wolf (para ler sobre ele,
clique aqui), do Palácio Garibaldi (clique aqui), da antiga sede do Solar do Rosário (clique aqui), da Primeira Igreja Presbiteriana de Curitiba, e de inúmeros prédios que datam dos anos de 1900 e 1910, como é o caso desta casa azul:


Hoje, em vários desses prédios funcionam comércios tradicionais da cidade, que se beneficiam do movimento de pedestres nos dias de semana, e da Feirinha do Largo da Ordem, realizada todo o domingo e uma das atrações mais conhecidas e valorizadas da cidade — e que agora é reconhecida como patrimônio cultural imaterial de Curitiba.

Muito dessa valorização e ocupação do Largo do Rosário pela população é resultado do projeto de revitalização da região na década de 1970, originado pela delimitação do Setor Histórico. Entre as décadas de 1920 e 1960, o largo foi utilizado como via para carros e até como estacionamento; os edifícios do seu entorno, em muitos dos quais funcionam escolas, ateliê e livraria, não estavam preservados. Além disso, havia falta de segurança na região. Tudo isso contribuiu para o esvaziamento populacional do Largo do Rosário, algo que foi recuperado.

Parte dessa revalorização se deve ao alargamento do Largo do Rosário e também à proibição da circulação de automóveis no meio dele, tornando-o exclusivo para pedestres. Hoje, somente é possível circular de automóvel pela Rua do Rosário, que passa abaixo do largo, e pela Jaime Reis, que passa em volta do largo e desemboca na Al. Dr. Murici — todas elas são vias calmas. 

As mudanças do rosário


Todas essas expressões do Largo do Rosário nos mostram que, ao longo de tantos anos, ele mudou, e muito. Só de nome foram duas mudanças: começou como Largo do Rosário; na década de 1910, passou a se chamar Largo Dr. Faria, em homenagem ao presidente da província do Paraná
Joaquim D´Almeida Faria Sobrinho (1843-1893) — que hoje é nome de rua, a Rua Presidente Faria; e, desde a década de 1930, chama-se Praça Garibaldi, por conta do palácio homônimo. 


O curioso dessa história é que a atual Rua Presidente Faria, que passa ao lado do Passeio Público, chamava-se Rua Garibaldi, enquanto que a hoje Praça Garibaldi era o Largo Dr. Faria. Houve uma troca, portanto.


Quem também foi vítima de uma troca foi o busto do pároco
Monsenhor Celso Itiberê da Cunha, deslocado, em 1995, ao fundo do largo, para dar lugar à Fonte da Memória — ou Cavalo Babão, como preferir. Monsenhor Celso foi pároco da cidade e cura da Catedral por 21 anos. Faleceu em 1931, quando movia esforços para reformar a Igreja do Rosário. Sepultado na própria igreja, seus restos mortais se encontram na entrada lateral. 

O cavalo que baba


Muitos questionam a existência da
Fonte da Memória com a escultura do Cavalo Babão no centro do Largo do Rosário, haja vista a história da região. Entretanto, é inegável que “o cavalo que vomita água” já virou um símbolo popular da cidade - o artigo sobre a Fonte da Memória você pode conhecer aqui.

O jornalista José Carlos Fernandes, em artigo brilhante reproduzido no blog Circulando por Curitiba, resume bem a função do Cavalo Babão:


[...] como que por encanto virou ponto de referência, deixando os marcos históricos na arquibancada. Um lugar fica antes ou depois, perto ou longe, para cima ou para baixo do “Cavalo Babão”. E fim de papo. [...] Tudo isso é para dizer que o “Cavalo Babão” tem uma qualidade rara em se tratando de arte pública: é infalivelmente divertido. Essa teoria costuma deixar o ex-prefeito Rafael Greca nos cascos. Foi em sua gestão que o eqüino chegou à Garibaldi, com o nobre intuito de louvar as tropeadas. Mas o povo que bate ponto na praça, além de tolerância estética, parece preferir a história contemporânea. “O cavalo é bacana porque baba”, resume o motorista Edimir Nunes de Lima, 36 anos, flagrado com a namorada, na última terça-feira, bem nas barbas do nosso “Gattamelata” – escultura eqüestre de Donatello que inspirou todas as outras. Foi ali, onde a babugem respinga, que Ed desvendou de uma vez por todas o enigma do Babão.


O cavalo bacana porque baba ali foi posto para fazer companhia ao solitário bebedouro do largo da ordem. Ambos têm como finalidade valorizar a memória do
tropeirismo na região, que foi muito importante para a economia de Curitiba, em especial para os comércios do centro da cidade, durante o século XIX. 


Uma dessas memórias nos revela a união dos largos do centro histórico. Várias pessoas relatam que a escultura Cavalo Babão foi inspirada no cavalo de
Hermínia Peruci, que morreu atropelada por um ônibus. Peruci era carroceira e trazia produtos de Santa Felicidade para serem vendidos no centro (como no Largo da Ordem), prática que era muito comum entre os moradores das colônias da região metropolitana. O acidente ocorreu em 1993 e Dona Hermínia, popularmente chamada de a última carroceira de Curitiba, faleceu 3 anos mais tarde, vítima das sequelas causadas pelo acidente.

Ponto histórico e turístico dos mais frequentados e ocupados de Curitiba, o Largo do Rosário é resultado da preservação e da valorização dos patrimônios culturais da cidade. Também é espaço de inúmeras memórias populares, tradições e lutas sociais, e, por isso, sua história merece ser conhecida e reescrita. 


Texto e pesquisa de Gustavo Pitz

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