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Mansão das Rosas: origem, apogeu e demolição

Família Fontana no Brasil

 

A história da Família Fontana no Brasil e no Paraná tem suas origens no século XIX, quando o imigrante italiano Francisco Fasce Fontana chegou à América, mais precisamente ao Uruguai. Lá, adquiriu experiência com a cultura da erva-mate, o que possibilitou que ele chegasse em Curitiba, em 1880, já como um industrial da erva-mate - representante da empresa uruguaia Silva & Irmão. Já contamos aqui no Turistória em maiores detalhes a história da família Fontana (link).

 

Como pagamento de uma dívida, Fontana se tornou dono do “Engenho da Glória”, que foi incorporado à empresa que representava, formando assim o Silva, Irmão & Fontana. Em 1882, Francisco se casou com a filha do desembargador Agostinho Ermelino de Leão, Maria Dolores Leão. E é desse casamento que nasceu a casa que viria a ser conhecida como Mansão das Rosas.

 

A Mansão das Rosas antes de ser Mansão das Rosas

 

Dias antes de seu casamento com Maria Dolores, Fontana apresentou a todos o que havia por trás dos tapumes que estavam em frente ao terreno do antigo engenho: uma belíssima mansão. Estava localizada no início do Boulevard 2 de Julho, no mesmo terreno do “Engenho da Glória”. Daí vem o nome atual do bairro em que está o terreno da antiga casa - Alto da Glória. O detalhe interessante dessa história quem conta é Francisco Fernando Fontana, bisneto de Francisco Fasce Fontana e Maria Dolores, em entrevista realizada pelo Turistória em Setembro de 2021:

 

“era chegada a data do casamento, eles ainda não tinham casa, o que fez com que Ermelino de Leão construísse um apartamento para o casal dentro de sua casa. Cobrado pelo futuro sogro, Fasce disse que estava tudo certo, que não era para se preocupar. Um pouco antes do casamento, para surpresa de todos, Fasce derrubou os tapumes da construção do engenho de mate, onde estava uma nova casa, lindíssima.”

 

A casa “original” era de 1834, construída por Caetano Jose Munhoz, antigo dono do Engenho da Glória. Em 1880, depois de adquiridos por Francisco Fontana, ele reformou o engenho e a casa, que ganhou um estilo de arquitetura da região da Toscana e foi rodeada de belos jardins. A casa ficou famosa por décadas na paisagem curitibana. Além disso, o banhado formado pelo Rio Belém, que passava nos fundos do terreno, foi drenado por Fontana com técnica inovadora.

 

Inicialmente a residência não era conhecida como “Mansão das Rosas”. Essa denominação foi cunhada posteriormente, na segunda metade do século XX.

 

Sobre a inauguração da casa, nos conta Francisco Fernando Fontana:

 

“Para a inauguração vieram quatro vagões. Um com autoridades, um com gente da empresa, e dois com banda de música, pra mostrar que tava sendo inaugurado uma coisa nova, né. E a notícia diz o seguinte: Quando eles chegaram na Casa do Fontana ele recebeu com festa, serviu comida pra todo mundo e tal.”

 

Os vagões do bonde, mencionados por Fernando, tinham como ponto final a rua em frente à casa de Francisco Fasce. Isso demonstrava também a localização privilegiada do terreno.

 

"Quando foi inaugurada a linha, a estação de bondes ficava em frente a onde hoje é a Câmara Municipal na Barão do Rio Branco ali. E o trilho saía pela Barão do Rio Branco, entrava pela Riachuelo, entrava na João Gualberto, e terminava no começo da subida, porque pra subir puxando o carro era difícil, então terminava na casa dele."


A partir do momento em que a família Fontana passou a habitar a casa, notáveis personalidades do Paraná e do Brasil eram presença frequente no local. Desde sua reforma, na década de 1880, até a década de 1970, diversas gerações da Família Fontana habitaram a casa.

 

Ainda na época do Império, por exemplo, a Princesa Isabel, em visita a Curitiba, passou uma tarde na casa, acompanhada de seu marido, o Conde d’Eu. Embora nessa visita não haja referências a seu pai - o imperador Dom Pedro II -, ele teceu elogios a Francisco Fasce Fontana, chamando-o de “um dos homens mais inteligentes e bem-intencionados de Curitiba”, conforme citação no livro “Homens e Coisas do Império” (1924), de Visconde de Taunay.

 

Em reportagem na edição de 16 de Dezembro de 1884 do Jornal carioca Gazeta de Notícias, temos mais detalhes de uma das visitas da corte imperial às instalações de Francisco Fasce Fontana, que compreendiam tanto os engenhos de mate quanto a mansão e seus jardins. A visita havia ocorrido cerca de duas semanas antes, no dia 1 de Dezembro de 1884

Em maio de 1894 em Curitiba, de forma repentina, Fasce Fontana faleceu por um problema de saúde, deixando a esposa e o único filho, Fido Fontana. Um ano depois, Maria Dolores mandou erguer uma capela em homenagem ao marido, a “Capela da Glória”. Mais tarde, Dolores se casou com Bernardo Augusto da Veiga, que construiu uma casa para ambos ao lado da Capela, onde sua esposa passou a morar. Fido permaneceu na Mansão das Rosas, tutelado pelo avô, e nela residiu durante toda a sua vida.


Fido Fontana teve, ao total, oito filhos. Os seis primeiros foram com sua primeira esposa,
Iphigenia Correia, filha do Barão do Serro Azul, e chamavam-se Zilda, Ziloah, Zilla, Zilna, Francisco e Ildefonso. Com a morte precoce de Iphigenia, Fido casou-se novamente, com Mercedes Jardim, com quem teve outros dois filhos.


Fido Fontana faleceu em 1946 e Mercedes passou a administrar sozinha a casa, então conhecida como
“Casa da Dona Mercedes”. Outras denominações possíveis eram “Solar dos Fontana” ou “Mansão dos Fontana”. Já o termo “Mansão das Rosas”, talvez o mais conhecido, foi cunhado pelo colunista social da segunda metade do século XX, Dino Almeida, em alusão às rosas dos jardins do terreno da casa.


A Casa da Dona Mercedes


Enquanto residiu na casa,
Mercedes Fontana foi notável anfitriã não apenas em nível municipal, mas também nacional. Era descrita nos jornais como a “anfitriã número 1 do Paraná”. Em sua residência recebia personalidades detentoras de grande poder e prestígio à época. Francisco Fernando Fontana relata que “A Casa da Mercedes virou o ponto de encontro da sociedade”.


Era comum que saíssem na imprensa notícias sobre Mercedes Fontana e o local onde ela recebia seus convidados - a Mansão das Rosas. Abaixo, fotos de reportagem de 1961 de Ed Keffel para a revista carioca
O Cruzeiro


Essa reportagem, além de mostrar a casa, foi feita com o intuito de dar visibilidade às mulheres fotografadas e agradar suas famílias, que faziam parte da sociedade tradicional curitibana.

 

O jardim da casa era belíssimo e até premiado. No concurso “Melhores Jardins de Curitiba”, promovido pela Prefeitura de Curitiba em 1972, o Jardim da Casa de Dona Mercedes foi agraciado com a “Premiação Especial”. O prêmio era realizado pela administração Jaime Lerner com o objetivo de incentivar a preservação e criação de novas áreas verdes em Curitiba e o combate à poluição.

 

Entre outros hóspedes e visitantes famosos da casa, estão o candidato à presidência e Governador do Estado da Guanabara Carlos Lacerda e Assis Chateaubriand. Chateaubriand foi um dos maiores empresários das imprensas brasileira e latino americana no século XX. Em 1955, inclusive, Mercedes Fontana esteve presente à inauguração do jornal O Diário do Paraná, que era propriedade do conglomerado Diários Associados, de Chateaubriand.

Além disso, o governador do Paraná Bento Munhoz da Rocha e sua família também costumavam frequentar a casa. O namoro entre Bento e Flora, que viria a ser a primeira dama do estado e passaria a se chamar Flora Munhoz da Rocha, começou, inclusive, na Mansão das Rosas, conta Fernando Fontana. Flora, assim como Bento, pertencia a uma família tradicional antes mesmo de se casar - era filha de Affonso Alves de Camargo, que havia sido Presidente do Estado do Paraná.

 

A casa também foi palco de acontecimentos históricos, como a primeira transmissão de rádio do Estado do Paraná - a Rádio Clube Paranaense -, em 1924, ocorrida na sala de telefonia. A Rádio Clube Paranaense é a pioneira no estado e uma das mais antigas do Brasil. 

 

Vestígios da Mansão das Rosas

 

Com uma área de mais de 11 mil metros quadrados, a manutenção da casa e do terreno era extremamente custosa. Na década de 1970, Mercedes passou a morar na cidade do Rio de Janeiro, sua terra de origem. Ildefonso Fontana, filho de Fido, ficou na Mansão das Rosas, mas o custo era tão alto para mantê-la que a estadia não durou 10 meses. Isso dificultou a divisão da casa entre os oito herdeiros, ocorrida um pouco antes da morte de Mercedes, em 1977. Sobre isso relata Fernando Fontana:

 

“...os herdeiros foram tomar posse da casa. Só que era uma dúzia de herdeiros. Primeiro que ele teve oito filhos, seis do primeiro casamento e dois do segundo. Meu pai era o penúltimo filho do primeiro casamento. Então tinham oito pedaços. O terreno tinha 11 mil e 200 metros quadrados. E a casa era muito dispendiosa, fizeram uma lombada na frente da casa, a casa começou a se mexer, ia custar muito caro pra arrumar. Nenhum dos oito herdeiros tinha dinheiro para comprar a parte dos outros sete”.

 

Ainda assim, na década de 1970 - antes da casa ser demolida - houve esforços para que ela fosse preservada e ganhasse outras utilidades, uma vez que a Família Fontana não iria mais nela residir e seu custo de manutenção ficava cada vez maior para os herdeiros. Fernando Fontana conta que a família procurou o Governo do Estado para que o poder público comprasse a casa e desse a ela alguma finalidade institucional:

 

“O Sérgio Todeschini Alves, que era diretor do Departamento de Patrimônio, tentou que o Governador (Jaime) Canet, que era o governador na época, comprasse a casa pra usar como... A proposta do Sérgio era muito lógica. A casa fica como, pode ser museu, mas a ideia dele era que fosse o Hotel de Recepções do Governo. E o terreno que tinha 11.200 metros quadrados fazer um túnel, uma ponte qualquer, deixava uns três mil metros da casa, e os outros oito mil aumentava o Colégio Estadual do Paraná que não tem pra onde crescer. Mas eu não sei se ele chegou a falar com o Canet, eu sei que não funcionou”.

 

Além da preservação de um patrimônio histórico e cultural de Curitiba - a Mansão -, a proposta beneficiaria também uma instituição centenária e tradicional de educação do Estado - o Colégio Estadual do Paraná. Não se sabe, no entanto, os motivos pelos quais a proposta não foi adiante, o que é de se estranhar, pois a família aceitaria vender a propriedade ao Estado por um preço abaixo do preço de mercado (na época, a Mansão das Rosas foi avaliada em 12 milhões de cruzeiros).

 

Ao fim e ao cabo, quem arrematou a Mansão foi o grupo empresarial Gomes Almeida Fernandes, que no final de 1975 demoliu a casa. Anos mais tarde, o terreno foi transferido para a Construtora Pasini, que construiu as torres dos edifícios que hoje vemos no local. Da demolição, restaram algumas das árvores no jardim e o portal toscano, que não são tombados nem Unidades de Interesse de Preservação.

 

Em 1980, o então prefeito de Curitiba Jaime Lerner escreveu que “as torres e a casa bem poderiam coexistir, após bom estudo de arquitetura e engenharia”. O que ocorreu com a Mansão das Rosas e outros patrimônios históricos de Curitiba o levou a instituir, em 1979, o conceito “Unidade Especial de Preservação”, alternativa legal para a proteção de bens históricos.

 

Quanto à Mansão das Rosas, mesmo depois de demolida ainda é possível conhecer algumas de suas partes. Os móveis e acessórios que compunham a mobília da casa foram retirados pela família antes da demolição. Boa parte deles hoje está em posse de Francisco Fernando Fontana, que os conserva em sua residência. Alguns deles, inclusive, podemos identificar nas fotos da reportagem de O Cruzeiro, como a lareira.


Outro item que Fernando Fontana guarda é uma das quatro esculturas que ficavam nas junções das extremidades da casa, no local circulado na imagem abaixo. Cada uma delas tinha o nome de uma estação do ano. A que Fernando hoje possui é a que diz “Inverno”.

Texto e pesquisa de Gabriel Brum Perin e Gustavo Pitz


Fonte de pesquisa:  

Melhores jardins recebem prêmios na quinta-feira. Diário do Paraná, Curitiba, ano 17, n. 4.946, 4 jan. 1972. Segundo caderno, p. 5. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=761672&pagfis=85059

 

Viagem de suas altezas. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano 10, n. 351, 16 dez. 1884. p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_02&Pesq=fasce&pagfis=7966

 

GASPAR, Carlos; DAMM, Flávio. O Caçula “Associado”. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, ano 27, n. 31, 14 mai. 1955. p. 34-E. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=003581&Pesq=mercedes%20fontana&pagfis=97912

 

KEFFEL, Ed. A mansão encantada dos Fontana. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, ano 33, n. 43, 5 ago. 1961. p. 38-41. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=003581&pesq=mercedes%20fontana&pagfis=138193

 

 

Links:

http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=003581&pesq=mercedes%20fontana&pagfis=78664

http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=003581&pesq=mercedes%20fontana&pagfis=97912

Sobre os compradores da Mansão

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=761672&Pesq=%22fam%c3%adlia%20Fontana%22&pagfis=146569

 

Sobre a morte de Mercedes

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_09&pesq=%22Mercedes%20Fontana%22&pasta=ano%20197&hf=memoria.bn.br&pagfis=163747

 

Carta de Lerner

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=761672&Pesq=%22Mercedes%20Fontana%22&pagfis=139942

 

Reportagem sobre Mansão das Rosas Ed Keffel:

http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=003581&pesq=mercedes%20fontana&pagfis=138193

 

 

Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em O Estado do Paraná (31 de janeiro de 1974):

"Nos corredores do Palácio Iguaçu se comenta muito a possibilidade do Estado adquirir a mansão da família Fontana, na Avenida João Gualberto, para ser residência oficial do governador. Já os oito herdeiros do valioso imóvel deverão reunir-se em Curitiba, dentro de alguns dias para tratar não da venda da casa mas sim da fraternal partilha dos móveis, objetos de arte e demais objetos que atulham as dezenas de cômodos do casarão, há 18 meses administrado pelo industrial Ildefonso Fontana. Construída há exatamente 140 anos, entre 1832-34, pelo ervateiro Caetano José Munhoz - e adquirida em 1872 por Francisco Fido Fontana, a mansão, no centro de um terreno de 11 mil metros quadrados (com um dos mais belos roseirais da cidade), apresenta hoje sérios problemas de conservação - com rachaduras nas centenárias paredes advindas do intenso tráfego na Avenida João Gualberto. De propriedade em regime de usos e frutos de dona Mercedes Fontana, 80 anos - hoje bastante doente e residindo na GB - a mansão - avaliada em Cr$ 12 milhões - faz parte da história da cidade e a possibilidade da mesma vir a ser demolida, passou a preocupar as pessoas sensíveis ao valor de nosso patrimônio histórico. Ildefonso Fontana vai mudar-se da casa em fins de fevereiro, já que a manutenção do Imóvel torna-se cada dia mais onerosa e difícil."

 

Entrevista com Fernando Fontana:

 

https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/especiais/ocupe-o-passeio-publico/fontana-aquele-desconhecido-chpotu3f35tv79rllmz8efx3i/

  


Bibliografia:

 

https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/25450/D%20-%20SUTIL%2c%20MARCELO%20SALDANHA.pdf?sequence=1&isAllowed=y

 

https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/43746/R%20-%20D%20-%20LUARA%20ANTUNES%20STOLLMEIER.pdf?sequence=3&isAllowed=y

 

https://www.turistoria.com.br/o-historico-predio-das-fabricas-fontana

 

https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/especiais/ocupe-o-passeio-publico/fontana-aquele-desconhecido-chpotu3f35tv79rllmz8efx3i/

 

https://www.gazetadopovo.com.br/haus/estilo-cultura/roteiro-da-saudade-4-casaroes-iconicos-de-curitiba-que-foram-demolidos/

 

https://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/o-fim-de-uma-era-b6avpfqklfp8fe046pm1o28ge/


https://www.gazetadopovo.com.br/haus/estilo-cultura/roteiro-da-saudade-4-casaroes-iconicos-de-curitiba-que-foram-demolidos/
 

https://www.fotografandocuritiba.com.br/2016/02/mansao-das-rosas.html

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