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O Solar do Barão e o Barão - histórias redescobertas

 

O Solar do Barão resguarda inúmeras histórias. Algumas são bem conhecidas e até famosas; outras relampejam para serem descobertas.

 

Uma breve história do Solar do Barão

 

Comecemos pelo conhecido. Atualmente, o Solar do Barão é sede da Fundação Cultural de Curitiba. Desde 1975, a prefeitura é proprietária desse casarão, que tem mais de 140 anos de história. Ele fica na rua Carlos Cavalcanti, 553.

 

Como o próprio nome sugere, o Solar do Barão remonta ao período imperial brasileiro, quando o título nobiliárquico de barão era concedido pelo imperador. Na época, ser barão representava ascensão e reconhecimento social, pois a outorga desse título significava a definitiva entrada da pessoa à nobreza. Para recebê-lo, porém, era necessário ter posses, prestígio político e ilustre ascendência, ou seja, fazer parte da elite da sociedade.

 

Uma das tantas posses do Barão sobre o qual estamos escrevendo era o Solar, residência de sua família. Ser chamada de “solar” simbolizava a luxuosidade da casa, pois somente assim eram nomeados os palacetes dos grandes proprietários.

 

Seu primeiro proprietário foi Ildefonso Pereira Correia, mais conhecido como Barão do Serro Azul. Ildefonso era o maior exportador de erva-mate do Brasil, um grande político e intelectual do segundo Império. Já estabelecido em Curitiba e reconhecido como "Comendador Ildefonso” — honraria que recebeu antes do título de Barão — o ervateiro quis fazer jus ao prestígio adquirido e resolveu construir uma casa ‘de cair o queixo’.

 

A construção começou em 1880 e somente foi finalizada em 1884, às vésperas da visita da princesa Isabel e de Conde D'Eu a Curitiba, em dezembro daquele ano. Tratava-se de um palacete de três andares colado à rua, em estilo eclético mas com nítidos traços neoclássicos. São doze janelas frontais, 4 em cada andar, com 2 bonitas sacadas. Chamam atenção os detalhes das janelas, que remontam à fachada do Partenon, as colunas gregas e a vistosa eira. Como a casa era em frente à rua, sua entrada ficava na lateral.

 

Desde a inauguração, passaram a frequentar e se hospedar no palacete diversas personalidades, como foi o caso da Princesa Isabel. O local era sede de reuniões políticas, de negócios e se tornou até cenário de guerra. Por isso, ter uma casa requintada era fundamental. Não por menos, no mesmo período outras tantas mansões foram construídas por grandes proprietários em Curitiba, como a Mansão das Rosas.

 

Pela primeira vez desde emancipado, o Paraná viu crescer em seu solo um grupo de poder e posse que contribuiu para a entrada da província no mapa do Império. Foi por isso que Dom Pedro II visitou a terra das araucárias (sua primeira e única visita) em 1880. Com o aval imperial, esse grupo, composto principalmente por ervateiros e exportadores, passou a se fazer notar cada vez mais. Demonstrar poder era fundamental, e o Solar do Barão foi uma consequência direta dessa expressão.

 

Engana-se quem acha que o Solar se restringe a um palacete. Na verdade, ele é um complexo com três casas e dois pátios de entrada. Ao lado direto de quem vê da rua, há uma casa menor, o solar da Baronesa, ao que tudo indica construída para ser residência de Maria José Pereira Correia, a Baronesa do Serro Azul, já viúva do Barão, e seus filhos. A residência segue o estilo do palacete, embora tenha apenas um andar.

 

Do outro lado do complexo, à esquerda do palacete, há outro prédio, mas de dois andares. Ele é mais recente, tem um estilo menos garboso e foi construído enquanto o exército brasileiro ocupou o local, entre 1912 e 1975. Ali foi feita outra entrada. 

 


De quartel a espaço artístico

 

Em 24 de setembro de 1975, o jornal Diário da Tarde noticiava que o 5o regimento militar do exército havia se transferido para o bairro Pinheirinho, após negociações com a prefeitura. Com isso, o antigo QG do centro, “popularmente conhecido como Solar do Barão do Cerro Azul”, diz a notícia, passava a ser do município.

 

Segundo o jornal, o general de então disse que o Solar “já teve a sua época. Hoje ele cedeu sob o peso do progresso. Sua acomodação já está muito acanhada para abrigar o desenvolvimento da unidade e estamos limitados pela pressão urbana”.

 

O jornal ainda informou que o prédio era “um dos orgulhos de Curitiba”, e que foi comprado pelo 5o Distrito militar em 1912 por 150 contos de réis.

 

Felizmente, a fala do general não se materializou. Não só o Solar se manteve em pé, como foi reformado e passou a servir a funções mais humanísticas. O restauro foi finalizado em 1983, bem no seu centenário.

 

Inicialmente, pretendia-se fazer do Solar um museu de Curitiba, mas a ideia mudou. Logo ele se tornou o Museu da Gravura, com inúmeros artefatos históricos da cidade, e depois foi dedicado também a outras artes gráficas, sediando assim o Museu do Cartaz, a Gibiteca (no solar da Baronesa) e o Museu da Fotografia. Após a ocupação pela Fundação Cultural de Curitiba, neste espaço são realizadas inúmeras atividades culturais da cidade. Desde então o Solar se chama Centro Cultural Solar do Barão.

 


Ironias da história

 

A trajetória do Solar do Barão revela um importante aspecto sobre a preservação do patrimônio histórico em Curitiba. Tal qual outros locais da cidade, o Solar do Barão se manteve em pé porque foi do exército, e porque o poder público o comprou e resolveu reformá-lo. Graças a isso, hoje ele é um Patrimônio Cultural tombado pelo Paraná, e uma Unidade de Interesse de Preservação (UIP). Outros tantos prédios históricos nem sequer se tornaram uma UIP — pois poucos são os proprietários que se interessam pela preservação.

 

Mas não estamos elogiando aqui a atuação do exército na preservação do Solar. Pelo contrário, o fato da antiga casa do Barão do Serro Azul ser uma unidade do exército é uma grande ironia, pois foram militares que o mataram.

 

Como já falamos aqui anteriormente, Ildefonso Pereira Correia foi assassinado covardemente por soldados legalistas (do exército brasileiro), não se sabendo a mando de quem, em 20 de maio de 1894. Estavam tropas do exército federalista em Curitiba, os maragatos, e o Barão foi um dos principais responsáveis pelo acordo de paz entre os curitibanos e os soldados de Gumercindo Saraiva.

 

Depois que Curitiba foi recuperada pelo governo de Floriano Peixoto, o Barão foi considerado cúmplice dos federalistas, e não o oposto. Assim, sob o pretexto de ser julgado no Rio de Janeiro, o Barão do Serro Azul foi morto dentro do trem na Serra do Mar, e jogado ladeira abaixo. Por décadas, ele continuou sendo tratado como traidor, até a sua memória ser justamente recuperada.

 

Sua família, entretanto, sofreu com os efeitos da perseguição pública. E esse talvez tenha sido o motivo da “venda” do Solar do Barão e do Solar da Baronesa ao Exército, em 1912, por um preço abaixo do normal. Com isso, foi extorquida não só a memória do Barão, como também as suas posses.

 


O Solar do Barão e o Barão, histórias que se completam

 

Não se podia tocar no nome "Barão do Serro Azul”. Quando se falava nele, até a grafia aparecia errada, com “Cerro” ao invés de “Serro”, como se traidor da pátria não pudesse ser chamado pelo nome correto. Curiosamente, poucos chamavam o Solar de “Solar do Barão”.

 

Mesmo durante o Império, dizia-se “palacete do excelentíssimo commendador Ildefonso Correia” ou “ilustrissima residencia do Barão”. Nos jornais, a primeira vez que o nome “Solar do Barão" apareceu foi, pasmem, em 1975, após a compra pela prefeitura. Até então, só se dizia “QG do centro”.

 

Conforme novos estudos e biografias do Barão do Serro Azul foram lançados, a visão de que ele havia colaborado com os federalistas caiu por terra; a memória do Barão do Serro Azul ganhou contornos justos. Ao mesmo tempo, talvez para redimir os erros do passado, a prefeitura passou a chamar a casa do Barão de “Solar do Barão”. O sucesso foi tamanho que a ideia pegou, e hoje o Solar, tanto pela sua existência quanto pelo seu nome, ajuda a manter viva a história de Ildefonso Pereira Correia e de sua família. Hoje, é o único paranaense homenageado no Panteão da Pátria, em Brasília.

 

A construção de uma outra história do Barão do Serro Azul permitiu que novas passagens dele, de sua família e de sua casa fossem desenterradas. Das cinzas ressurgiu o Solar do Barão, assim reconhecido. Mas ainda há muito o que ser descoberto. São quantos os patrimônios históricos de Curitiba cuja história ignoramos?

 

Atualmente, um novo processo de restauração já está em curso para o Solar do Barão. Novas descobertas e revelações históricas vêm sendo preparadas para os curitibanos para o período pós-pandemia.

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