Palácio da Liberdade, o sobrado que já foi sede do Governo do Paraná
Em vários artigos do Turistória, discutimos o processo de construção da Curitiba moderna a partir do final do século XIX, período que muitos chamam de belle époque curitibana. Escrevemos sobre o surgimento da estação ferroviária, da Rua da Liberdade (atual Barão do Rio Branco), dos edifícios públicos e privados que foram construídos ou adaptados a novos estilos arquitetônicos e também às novas demandas da sociedade capitalista.
Um nome importante dessa completa mudança de planejamento urbano foi o engenheiro italiano
Ernesto Guaita, já citado anteriormente nos artigos sobre a
Praça Eufrásio Correia
e sobre o
Palácio Rio Branco, atual Câmara de Vereadores de Curitiba.
Uma das obras projetadas por Ernesto Guaita foi o Palácio da Liberdade, atual
Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS-PR). Situado na Barão do Rio Branco, 395, o Palácio tem sua história bastante conhecida por se tratar da antiga sede do Governo do Paraná.
Praticamente todas as fontes dizem o mesmo: o Palácio da Liberdade foi projetado por Ernesto Guaita, mas não para ser uma sede oficial, e sim para ser residência do seu colega de profissão, o imigrante alemão
Leopoldo Ignácio Weiss. A obra começou no final dos anos de 1870 e terminou na década seguinte. Sabe-se que a influência de Guaita no projeto foi grande, pois o Palácio possui as mesmas características de outros edifícios projetados por ele:
arquitetura eclética, com elementos neoclássicos, simetrias e traços greco-romanos. Seu porte monumental expressa um caráter arquitetônico presente, na época, apenas nas edificações mais nobres da cidade.
Por ser originalmente uma residência, o Palácio da Liberdade foi arquitetado da seguinte forma, conforme explica o historiador Marcelo Sutil:
Guaita, como era costume nos sobrados de moradia, dotou o piso superior, considerado nobre, de um acúmulo de ornamentação, deixando para o térreo o quase despojamento. Sobre sua fachada simétrica aplicou pilastras, arcos plenos, cães ornamentais, sacadas em balaústres, sobreverga e vasos de platibanda vazada. Na época de sua construção, seu fachadismo destoou das demais casas vizinhas, ainda mais austeras.
Era costume, no final do século XIX, a escolha de traços neoclássicos para a construção de edifícios públicos, como uma forma de legitimar as instituições públicas por meio de imagens do passado greco-romano. A formalidade da simetria, as colunas, os arcos, pórticos e demais ornamentações eram símbolos utilizados e explorados pelo poder.
Por conta dessas características da residência da família Weiss, a União adquiriu o prédio com seu mobiliário, cedendo-o posteriormente ao Estado do Paraná. Segundo a escritura do imóvel, ele foi vendido em 1890 pelo “Doutor Leopoldo Ignácio Weiss e sua mulher a Fazenda Nacional, pela quantia de quarenta conto de Réis, em 24 de outubro de 1890”. O presidente da província (governador)
Generoso Marques do Santos, hoje nome de praça, foi o primeiro a ocupar a nova sede oficial do Governo do Paraná, em 1892.
O nome “Palácio da Liberdade” advém justamente desse momento em que se tornara sede oficial do estado — sendo “Liberdade” o nome da rua em que estava localizado, a
Rua da Liberdade, e também da imagem que a República queria passar de si mesma:
livre das heranças monárquicas. Outra nomenclatura frequentemente utilizada era Palácio do Governo ou
Palácio Provincial.
Embora imponente, a arquitetura do Palácio da Liberdade não agradava a todos. Para Sebastião Paraná, não havia
a elegância e o fausto necessários para uma sede de governo, opinião que talvez seja resultado da comparação com outros palácios. De acordo com Sutil, Sebastião Paraná possivelmente desejava um edifício com feições mais neoclássicas, como era o Palácio do Congresso, vizinho ao da Liberdade, também projetado por Guaita. E de fato, os dois são bastante diferentes entre si, mas cada um bonito ao seu modo.
O Palácio da Liberdade continuou como sede oficial até 1938, quando o interventor Manoel Ribas transferiu a casa do governo para o Palácio São Francisco, no Alto São Francisco. Daí em diante, diversos foram os órgãos públicos que ali se estabeleceram: a Chefatura de Polícia, de 1938 a 1942, a Secretaria do Interior e Justiça, de 1942 ao final da década de 1970, a Coordenação do Sistema Penitenciário, e o Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS-PR), que o utiliza desde 1989.
O avançado estado de deterioração, bem como as frequentes reformas e descaracterizações do Palácio da Liberdade, levaram o Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná a tombá-lo em 1977, como
Patrimônio do Estado. Entretanto, a continuidade da deterioração forçou a Secretaria do Estado da Cultura, que tutela o edifício, a fechar temporariamente o MIS, em 2003, para reformas.
Quem detalha esse processo é Analu Cadore:
Após um criterioso levantamento arquitetônico e documental e um diagnóstico preciso das condições físicas do edifício, deu-se início ao projeto que visava não apenas restabelecer a integridade do imóvel mas também retomar a simetria através da remoção de uma ampliação na lateral e de acréscimos feitos ao longo dos anos e das inúmeras reformas sofridas. O processo de restauração do edifício foi finalizado em 2015 e o museu e seu acervo puderam retornar ao seu local.
A intervenção foi planejada pela arquiteta Stefanie Freiberger da Secretaria do Patrimônio Histórico, a principal responsável por “devolver ao edifício suas características mais marcantes”. O artigo de Analu Cadore detalha com precisão as etapas de descaracterização do Palácio da Liberdade, e também de reparo — para acessá-lo, basta clicar neste link.
Em resumo, destacamos que, entre 1892 e 1977, o Palácio da Liberdade perdeu sua simetria, várias de suas sacadas e espaços internos originais. A diferença mais notável foi a construção de uma sala no pavimento superior, que deixou um lado do edifício menor e com 2 janelas, e o outro maior e com 3. A maioria dessas descaracterizações foi corrigida após as obras mencionadas.
O Museu da Imagem e do Som e seu acervo retornaram à sede histórica em 2016. Vale lembrar que o MIS-PR é o segundo mais antigo do país, criado em 1969, e possui um vasto acervo de audiovisuais. Há milhares de ítens entre discos de vinil, fitas de áudio, filmes, fotografias, fitas cassete, mais de 100 equipamentos como rádios, radiolas, moviolas, câmeras fotográficas, projetores, além de uma biblioteca com mais de 2000 obras entre livros e periódicos sobre cinema, fotografia e memória. Fundamental para a preservação, estudo e ressignificação das histórias e memórias dos paranaenses, o Museu da Imagem e do Som merecerá um artigo só para ele.
Enquanto isso, destacamos o Palácio da Liberdade, um dos mais imponentes e históricos edifícios do Estado, que nasceu para dar morada a uma família e acabou sendo palco de decisões que marcaram a história do Paraná.
Texto e pesquisa de Gustavo Pitz
Fontes de pesquisa:
CADORE, Analu. PALÁCIO DA LIBERDADE – CURITIBA PR - A RECUPERAÇÃO DA ARQUITETURA ATRAVÉS DA INTERVENÇÃO. Arquitetando Mundo Afora, 2021.
https://www.arquitetandomundoafora.com.br/post/pal%C3%A1cio-da-liberdade-curitiba-pr-a-recupera%C3%A7%C3%A3o-da-arquitetura-atrav%C3%A9s-da-interven%C3%A7%C3%A3o
SUTIL, Marcelo Saldanha. Eixo Barão-Riachuelo: o prédio da estação e a rua da liberdade. Texto: acervo Casa Romário Martins.
https://www.memoriaurbana.com.br/ed-publico-curitiba/palacio-da-liberdade/
https://www.fotografandocuritiba.com.br/2016/01/palacio-da-liberdade.html
http://www.circulandoporcuritiba.com.br/2011/05/palacio-da-liberdade.html