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Santa Casa de Misericórdia de Curitiba: o hospital inaugurado pelo Imperador
O início 
  A história das Santas Casas começa no século XV, no ano de 1498, em Portugal, quando foi criada a primeira instituição por D. Leonor de Lancaster, rainha regente do país, em Lisboa. Orientado por um forte caráter religioso, o hospital atendia aos necessitados sob as diretrizes das 14 obras de misericórdia, aquelas com que se socorre o  próximo em suas necessidades. A Igreja Católica considera que são sete as necessidades físicas e sete também as espirituais.

  Com as navegações e a posterior expansão do império ultramarino português, o Brasil recebeu instalações hospitalares no mesmo molde da metrópole portuguesa. Em 1543, foi instalada por Brás Cubas (o fundador da Vila de São Vicente) uma das primeiras Santas Casas brasileiras, na cidade de Santos, com o fim de atender aos habitantes da localidade e aos enfermos que chegavam com os navios. 

Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba

   Em Curitiba, ainda no ano de 1852, era extinta a “Sociedade Fraternidade Curitibana”, que deu origem à “Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba”, na qualidade de organização filantrópica, sendo seu primeiro provedor o Comendador Manoel Gonçalves de Moraes Roseira.


O padre Antônio Teixeira Camello, já com intenção de auxiliar, realizou a doação, por testamento, do imóvel ao lado da Igreja Matriz (na Praça Tiradentes), no qual se instalou um pequeno ambulatório para atender aos enfermos.


  Em 1853 chegou em Curitiba, a pedido de Zacarias de Góis e Vasconcelos, o dr. José Cândido da Silva Murici. Logo depois, com o Paraná já emancipado, o médico baiano assumiu o cargo de Vacinador Provincial (equivalente ao cargo de secretário de saúde). 


 Dr. Murici atendia os doentes no precário ambulatório instalado na praça Tiradentes, já centro da cidade à época (e sobre a qual você já leu aqui no blog). Porém, ele entendia a necessidade da criação de instalações hospitalares mais adequadas, sobretudo com os surtos de doenças ocorrendo em Paranaguá e com a possibilidade de Curitiba ser atingida.


 Em 1866, o dr. Murici se tornou provedor da Irmandade e, em 1868, foi lançada por ele a pedra fundamental da construção do prédio da Santa Casa, na atual praça Rui Barbosa. A escassez de recursos da Irmandade fez a obra durar 12 anos, com o próprio dr. Murici se engajando na arrecadação de fundos com a sociedade curitibana da época.


  Infelizmente, apesar de todos os esforços, o médico não viu a obra ser concluída, pois faleceu em março de 1879, aos 52 anos. Diante disso, assumiu o cargo de provedor e a responsabilidade pela obra o dr. Antonio Carlos Pires de Carvalho e Albuquerque, também médico e genro do dr. Murici. 

Inauguração por Dom Pedro II

  A obra foi finalizada em 1880 e a inauguração se deu em 22 de março, com a presença do Imperador do Brasil, Dom Pedro II, e de sua esposa, a Imperatriz Dona Thereza Cristina, cujas assinaturas encontram-se no livro ata de inauguração do hospital, preservado até hoje.

 O Imperador estava em visita à Província do Paraná para dar início à construção da estrada de ferro entre Curitiba e Paranaguá, e, diante da importância do feito, participou da inauguração do primeiro hospital da cidade. 

 Em seu diário, anotou que o hospital tinha boas instalações, mostrando-se admirado com a beleza da capela, mas criticou a distância entre a edificação e o centro da cidade (atual Praça Tiradentes), que é de cerca de 1,5 quilômetros.

 Apesar da crítica do monarca, a localização do hospital era intencional. A medicina da época acreditava que era importante para a recuperação dos pacientes que estes estivessem longe de tumultos, sujeira, em local devidamente arejado (o que se baseava na teoria médica dos miasmas). Portanto, nada mais natural para o século XIX que o hospital se encontrasse em uma região afastada do centro urbano. 

 Em 1884, ainda ocorreu a visita da Princesa Isabel e seu marido, o Conde D’Eu, tendo ela feito elogios semelhantes aos do seu pai. 

As surpresas do prédio de 1880

    A arquitetura da instalação atual da Santa Casa pode confundir um transeunte desatento. Talvez seja um palácio escondido no centro da cidade ou uma igreja antiga e de fato, observando-se com calma, é possível entender essas conjecturas, mas o espaço abriga, desde sua inauguração, um local para o tratamento dos necessitados, o que nem de perto pode ser um palácio ou uma igreja antiga. 

Porta de entrada do primeiro elevador movido à tração de Curitiba Foto: Divulgação

   O prédio histórico da Santa Casa abriga o elevador mais antigo de Curitiba, movido à tração, todo feito em madeira, com funcionamento manual, utilizado para o transporte de pacientes. Alguns especialistas confrontam essa informação e afiram que o elevador mais antigo seria o do Paço da Liberdade na Praça Generoso Marques. Porém, a diferença entre os dois é que o da Santa Casa seria o mais antigo movido à tração e o do Paço, o mais antigo movido a energia elétrica .

Engrenagens do antigo elevador da Santa Casa. Foto: Divulgação

 Há também a imponente escada no hall de entrada, feita de mármore rosa, pela qual é possível se chegar aos vitrais desenhados pelo artista curitibano Poty Lazarotto, nos quais se retratam passagens do evangelho de São Lucas. Ainda chegando ao sótão, além de uma nova perspectiva para se observar a praça Rui Barbosa, é possível conhecer o maquinário do relógio instalado no frontispício do hospital, datado de 1877 e importado da Alemanha.

     Mais recentemente, o hospital passou por um processo de restauro que foi finalizado em 2015 e que permitiu conhecer detalhes da maravilhosa construção, como o tipo de tijolo usado nas paredes, detalhes da pintura de ornamentação e até mesmo os nomes das salas, algo que possibilitou a descoberta de seus usos como enfermarias. 

As irmãs de São José  

  Um hospital é composto por diversos profissionais e há que se destacar a atuação das irmãs de São José de Chambéry na Santa Casa de Curitiba. Originárias da França, o primeiro grupo de freiras chegou ao hospital em 1896, por intermédio do bispo Dom José de Camargo Barros. Eram apenas 6 religiosas que passaram a fornecer todo suporte necessário, cuidando dos pacientes, dando auxílio espiritual e fazendo até mesmo a limpeza das dependências hospitalares.


 Com a criação do “Asilo de Alienados” (posteriormente denominado “Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz”), a congregação passou também a administrar essa função hospitalar oferecida aos curitibanos.


  Ao longo de mais de 100 anos de serviços prestados, as irmãs moraram nas dependências do hospital, administraram as unidades e até mesmo conduziram a produção de alimentos, envolvendo os próprios pacientes nesta atividade, como meio de terapia.


    A atuação das irmãs de São José foi significativa na reorganização do espaço hospitalar, estabelecendo ordem e higiene, o que favoreceu grandemente um melhor atendimento dado aos pacientes. A partir das melhorias gradativamente implementadas, a imagem do hospital mudou, tanto em relação à população quanto às autoridades, o que permitiu à estrutura física do hospital ser adequada às necessidades da época.

Museu da História da Medicina do Paraná

  Os fatos, edifício e objetos aqui mencionados podem ser visitados (quando a quarentena acabar) no Museu da História da Medicina do Paraná, fruto da parceria entre a Santa Casa e a Associação Médica do Paraná, que funciona nas dependências do hospital.


 Lá, é possível visitar cenários de centro cirúrgico e enfermaria do século XX, conhecer a antiga farmácia do hospital, com substâncias originais preservadas, subir a escada de mármore e ver a assinatura de Dom Pedro II. Uma verdadeira viagem no tempo e que vale muito a pena. 

Referências


DOLINSKI, João Pedro. Espaços de cura em Paranaguá (Paraná – Brasil) na segunda metade do século XIX. Revista de História da UEG, Morrinhos, v. 3, n. 2, p. 112-127, dez. 2014. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/revistahistoria/article/view/2149.


NÚCLEO DE MÍDIA E CONHECIMENTO (Org). Santa Casa de Curitiba: presente para o futuro. Curitiba, 2019.


PIZANI, Maria Angélica Pinto Nunes. O cuidar na atuação das Irmãs de São José de Moutiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (1896-1937). 2005. 223 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.


SANTA CASA DE CURITIBA. Museu da História da Medicina do Paraná. Disponível em:

http://santacasacuritiba.com.br/museu/. 

Texto e pesquisa: Nadezsda Dolci

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