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A história do Solar do Rosário de Curitiba

“Regina, comprei aquela casa velha lá do centro!” – foi isso que ela ouviu surpresa, quando o marido chegou em casa numa tarde de maio de 1989.


Três anos depois, surgiria na “casa velha” um dos espaços culturais mais acolhedores e bem restaurados da cidade, no coração do centro histórico de Curitiba. Foi uma festa e tanto a inauguração da casa em 19 de maio de 1992, depois de uma longa e cuidadosa reforma de 3 anos - afinal a casa já completava um século de existência!


No final dos anos 1800, no auge do ciclo da erva-mate e da chegada de imigrantes vindos do mundo todo, o proprietário de uma indústria de cerâmica, o senhor Ignácio de Paula França, construiu a residência de sua família no local mais abençoado da cidade, entre as duas igrejas católicas que funcionavam na Vila (a da Ordem e a do Rosário) e a duas quadras do primeiro templo da comunidade luterana que ficava na Rua América, atual Dr. Trajano Reis.


Nessa época, as missas e celebrações da Matriz aconteciam na Igreja da Ordem (como é chamada a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas), porque a Catedral estava sendo reconstruída. Bem do ladinho da casa, fica a Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito (veja foto antiga dessa época – imagem 1). Tanto as obras da matriz como as da igreja luterana acabaram em 1893 (veja imagem da primeira igreja, demolida – imagem 2).



Bem... a família do seu Ignácio se mudou para o solar mais ou menos nessa época e o povo passou a chamar a casa de “Solar de Sinhá França”. Durante décadas, por ali passaram várias procissões, como a registrada em outra das poucas imagens antigas, essa de 1918, ano da epidemia da “gripe espanhola” (imagem 3).




A família França deixou o imóvel logo após o falecimento de seu Ignácio, que aconteceu em 29 de abril de 1919. A casa foi adquirida muito tempo depois pelo advogado e político paranaense Newton Carneiro, irmão do historiador Davi Carneiro (este 10 anos mais velho e herdeiro do nome do pai, que foi ervateiro e coronel). Newton chegou a idealizar uma pousada no local, com projeto do arquiteto Cyro Correa de Oliveira Lyra, encontrado na Casa da Memória de Curitiba.


Nos anos 60, porém, acabou alugando o imóvel ao Instituto Goethe do Paraná, que funcionou ali por mais de 25 anos. O Goethe é uma instituição que atua no mundo todo promovendo a cultura e o idioma alemães, o que estaria em sintonia com um dos estilos arquitetônicos representados pelas entradas laterais da casa.


Na página do Solar do Rosário na internet, encontramos que “(...) é uma casa assobradada de arquitetura eclética porque, como em todas as casas senhoriais do fim do século XIX, havia uma mistura de estilos: colonial português, francês, alemão, acrescido de características neoclássicas como o frontão com suas volutas curvas, janelas e sacadas. Síntese de estilos que retrata o espírito da terra paranaense: acolhedora de todas as etnias, terra de todas as gentes”.


Ou seja, passou-se um século de muita história até que fosse inaugurado o Solar do Rosário, assim batizado em homenagem à vizinha Igreja do Rosário por Regina de Barros Correia Casillo, que foi quem recebeu a “casa velha” como um presente de seu marido, João Casillo.


Ele mesmo disse à equipe Turistória: “Eu entrei com os tijolos, mas a alma quem deu a tudo foi a Regina!”

E desde então lá se vão mais quase 30 anos de muitas histórias. As salas do Solar, que no início funcionaram como galeria de arte, viram passar mais de 100 exposições de artistas, a maioria paranaenses, todas registradas em azulejos decorativos. Uma dessas salas foi batizada pelo curitibano Poty Lazzarotto como “Sala do Artista” e ali o grande muralista e pintor pôde criar e produzir muito. 


Uma de suas obras mais famosas é a da imagem 4. Sobre essa obra (hoje um dos cartões postais da cidade), Regina conta que viu o artista sentado em frente ao Solar numa noite fria observando e desenhando a casa. Sem mais, em determinado momento, levantou-se, pegou seu cavalete, o resto de seu material e foi embora.


Dias depois Lazzarotto entregou a ela o resultado e explicou a presença de duas figuras bem representativas da cultura curitibana: a de um tropeiro passando em frente à casa com seu cavalo, e vultos de sinistras figuras masculinas nas três janelas superiores: seriam eles “vampiros de Curitiba”, em referência ao famoso e polêmico escritor Dalton Trevisan, por causa de um de seus livros mais famosos, publicado em 1965 com esse título: “O Vampiro de Curitiba”.


Muitos artistas eternizaram o Solar do Rosário com suas artes: são 104 obras nas mais diversas técnicas! Quando o Solar completou 25 anos, em 2017, foi realizada uma exposição no Memorial de Curitiba (seu vizinho de frente, na Rua Claudino dos Santos, Centro Histórico), a convite da Prefeitura da capital paranaense. Mas isso é surpresa para outra publicação!


Seguem algumas dessas obras:

Cada uma dessas exposições mereceria uma homenagem ou um artigo exclusivo contando a história de cada artista. Mas são muitos e nem só de arte viveu o Solar. Até o início da pandemia da Covid-19 no ano de 2020, o Solar contou com um restaurante e casa de chá, conduzido pela dona Dorothéa por quase 30 anos. Mas, com as medidas de restrições necessárias para a contenção da doença, ela resolveu fechar as portas.


Durante o isolamento que 2020 impôs ao mundo, os cursos foram oferecidos em plataformas virtuais e alunos do mundo todo puderam participar, agregando muitas contribuições que presencialmente não teriam sido possíveis. Algumas oficinas e workshops também seguiram, sempre com muito cuidado sanitário.


Muitas outras mudanças ainda virão, mas o Solar ou mesmo o Novo Solar do Rosário continuarão sendo um complexo cultural fascinante, cada vez com maior destaque para os cursos, eventos, palestras nas mais diversas áreas da cultura, desde História, Arte e Patrimônio até Música e Literatura.


A nós paranaenses, só nos resta agradecer João Casillo, não pelos tijolos que tanto contribuíram para a cultura do Estado do Paraná, mas por ter nos abençoado com a presença da Regina, sua esposa há mais de 50 anos e que, sendo carioca de nascimento, veio por amor tornar essa cidade plena de sua alma cultural.

Texto e pesquisa: Cyntia Wachowicz

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